Mário Jorge Machado
"Parar de investir é uma sentença de morte"
T17 Fevereiro 2017

Jorge Fiel

Mário Jorge Machado tem 54 anos e há 23 que dirige a Estamparia Adalberto, que detém agora a melhor máquina de impressão digital do mundo.

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legislação que regula a actividade económica é fundamental. Em cerca de 40 anos, e usando a mesma matéria-prima humana, o melhor que a RDA conseguiu fabricar foi o Trabant, o pior carro do mundo, enquanto a RFA produzia os Porsches, Mercedes e BMW – afirma Mário Jorge Machado, 54 anos, o engenheiro que há 23 anos dirige a Estamparia Adalberto.

O que foi mais difícil? Dar a volta à Adalberto ou aguentar a concorrência asiática?
As duas coisas foram difíceis. Em 1985, a Adalberto tinha dívidas fiscais, salários em atraso e um passivo asfixiante, mas estava bem equipada e a conjuntura era favorável: íamos entrar na CEE e havia crescimento económico. Quando o vento sopra a favor a navegação fica muito facilitada…

A invasão de produtos asiáticos criou mais problemas?
Neste século, os ventos têm sido quase sempre contrários. É difícil ser industrial quando os nossos concorrentes dispõem de muitas vantagens competitivas em termos de contexto. Enfrentamos um player empenhado em conquistar quota de mercado a qualquer preço e apoiado por empresas estatais.

Foi um plano de Estado?
Tratou-se de uma estratégia a prazo, delineada pelo PC Chinês – que pode planear a 10 ou 15 anos, pois não tem de se preocupar com os ciclos eleitorais… -, para eliminar a concorrência a nível mundial, que não afectou só a têxtil, mas também outras indústrias, como a química, plásticos, aço, etc.

O combate foi demasiado desigual?
É como jogar cartas usando apenas as cartas do baralho enquanto o adversário tem trunfos escondidas na manga. O Estado chinês investiu fortemente na industrialização e suportou grandes prejuízos para eliminar concorrentes e ganhar mercados. Foi uma estratégia vencedora mas com elevados custos: ainda há muito mal parado por digerir nas contas deles…

O balanço da globalização é desfavorável à indústria europeia?
Em termos de planeta, o balanço é positivo. Dezenas de milhões de europeus e americanos a viverem pior foi o preço que pagamos para centenas de milhões de chineses saírem da pobreza extrema. Mas em termos dos interesses do Ocidente o balanço não é tão risonho – e é isso que explica a eleição de Trump e a vaga de populismo que varre a Europa.

Mário Jorge Machado
"Em qualidade e design somos os melhores do mundo"

Qual o segredo para a ITV sobreviver numa conjuntura tão agreste?
Uma enorme capacidade de adaptação. As nossas empresas têm um know-how único, sabem lidar com produtos complexos, ganharam muita flexibilidade, souberam inovar e subir na cadeia de valor.

É por isso que ainda somos atractivos?
Ninguém nos compra por sermos portugueses. Perdemos os clientes de volume mas ganhamos outros com necessidades mais sofisticadas. Mas para continuarmos a ser atractivos temos de ter vantagens competitivas, o que começa a ficar complicado…

Porquê?
Há um equilíbrio que está a ser distorcido, pois as empresas estão a ser obrigadas a suportar custos acrescidos e desajustados face à evolução da inflação e da produtividade. Quando há uma pressão nos custos que não se consegue repercutir no preço final, só nos mantemos competitivos à custa da diminuição das margens e dos resultados – o que leva a curto prazo ao definhamento das empresas.

"A OCDE explica como é que as nossas leis laborais afugentam o investimento"

Refere-se à envolvência política?
Repor feriados e decretar aumentos salariais prejudica a indústria, pois introduz factores de risco suplementares num equilíbrio demasiado instável. O Governo esquece-se que as exportadoras estão a competir no mercado global – é muito diferente do negócio dos hipermercados…

O Governo está a criar dificuldades a quem exporta?
Está a dar tiros no pé ao aumentar de forma desproporcionada os custos das empresas. O débil crescimento da economia é um garrote. Se não crescemos, não temos como pagar a dívida e o cenário de um novo resgate começa a não ser desprezível.

Quais são os principais constrangimentos à competitividade?
O relatório da OCDE explica como é que as nossas leis laborais afugentam o investimento. Fiquei arrepiado ao ouvir o ministro Vieira da Silva desvalorizar o assunto afirmando que as práticas nas relações laborais não são assim tão restritivas como a legislação. É incrível ouvir um governante dizer que a lei não serve para nada.

A legislação laboral é mesmo o maior obstáculo?
O pior cego é o que não quer ver. Este país não cresce há cerca de 20 anos. As leis laborais não são amigas do investimento. Imagine que ganha dez milhões de euros no Euromilhões. A última coisa que lhe vai passar pela cabeça é pegar nesse dinheiro e investi-lo numa fábrica e contratar 500 pessoas.

O acesso e o custo do dinheiro também são desvantagens competitivas?
Se apresentarmos bons projectos e garantias, a questão do acesso não se coloca. Mas o custo é um problema real. O spread está relacionado com o risco do país. Sofremos por sermos portugueses, porque pagamos taxas na ordem dos 5 a 6%, enquanto os espanhóis se financiam a 2 ou a 3%.

Como se resolve a descapitalização das empresas?
A nossa indústria transformadora está a trabalhar com margens muitíssimo reduzidas. A Pordata fala em margens de cerca de 1%. Isso torna-as demasiado sensíveis a alterações nos custos de contexto e impede-as de se capitalizarem.

As 131 medidas do José António Barros são suficientes?
Todas elas são muito positivas. Mas têm de ser implementadas. Já tive a oportunidade de desafiar o ministro da Economia e o secretário de Estado da Indústria a comprometerem-se com um calendário para a sua aplicação.

Qual foi a resposta deles?
Que iam avaliar… É fundamental apressar o processo, até porque a maior parte dessas medidas têm um reduzido impacto orçamental e facilitariam muito a vida às empresas.

Em que pé estão as renegociações do Contrato Coletivo de Trabalho (CCT)?
O CCT impunha regras prejudiciais para a competitividade, como a obrigatoriedade dos três dias de férias suplementares. Deve ser dada liberdade às empresas e trabalhadores para negociarem o que podem e devem ter ou dar. Na Adalberto, o prémio de assiduidade era em dinheiro. Quando o CCT impôs que fosse em dias de férias, os trabalhadores ficaram desmotivados – preferiam ser compensados em dinheiro.

Qual é o problema?
O problema está na tradição de um Estado super-legislador e centralista, que se intromete demais na vida das empresas, e numa mentalidade antiquada de alguns partidos e sindicalistas que ainda não perceberam que a luta de classes já não existe e que no seu essencial os interesses dos trabalhadores são coincidentes com os dos empregadores.

Sente a falta de quadros e de mão-de-obra qualificada?
Estamos a pagar a má publicidade que a têxtil teve. A nossa indústria investiu muitas centenas de milhões de euros em equipamentos, fez-se ao mundo e o resultado é que em 2016 foi o sector que mais cresceu nas exportações. Isso aconteceu porque estamos habituados a concorrer em campo aberto. Não tínhamos trincheiras onde nos esconder. Ou damos da perna ou somos arrasados.

Não receou falhar quando, com 23 anos, assumiu a liderança da Adalberto?
Ser jovem e pensar que se pode conquistar o mundo ajudou muito :-). E a conjuntura também. Após um período muito complicado, em que fomos intervencionados pelo FMI e sofremos com os choques petrolíferos e as desvalorizações do escudo, estávamos a entrar numa fase de crescimento acelerado com a entrada na CEE.

Quais foram os factores decisivos para o sucesso?
Tínhamos bons recursos humanos e uma boa capacidade de produção. Faltavam as vendas. Os factores críticos foram conseguir identificar os clientes e ter o conhecimento correto dos custos de produção, para saber fixar os preços certos.

Há 22 anos era mais fácil gerir do que agora?
Muitíssimo mais fácil. O mercado reconhece a Estamparia Adalberto como uma empresa de referência e um player importante no mercado mundial. Mas o nível de exigência dos clientes é muito maior e as margens muito menores.

O que é que pedem hoje os clientes?
Produtos com mais funcionalidades, mais durabilidade e mais confortáveis, fabricados através de processos que respeitem o ambiente e os trabalhadores. Querem também novas combinações e materiais, aspectos e toques diferentes. Temos de estar sempre a inovar.

É a inovação permanente…
A têxtil é a mais exigente e complexa de todas as indústrias. É a que tem mais variáveis. Um estudo de Harvard recomenda que quem quer aprender a inovar deve olhar para a têxtil.

Além de inovar têm de investir…
Parar de investir é a crónica da morte anunciada. Mas investir não é sinónimo de sucesso garantido. A única coisa que garante é que vamos a jogo. Quem não é empreendedor não percebe o que é tomar a decisão de investir sem ter a certeza se vai ou não ter sucesso pois há uma data de factores de contexto que não domina.

É por isso que há pouca indústria em Portugal?
Não é fácil ter de assumir riscos e enfrentar o desconhecido. Para haver indústria é preciso ter gente que arrisca investir, mas esse risco tem de poder ser calculado – não pode ser como apostar na roleta. Temos uma das mais elevadas taxas de mortalidade de empresas da Europa. 60% das empresas que estão agora a nascer não vão existir dentro de três anos.

A que se deve isso?
Não é por sermos piores que os outros. Há muitos exemplos que demonstram o contrário. Essa elevada mortalidade deve-se ao ambiente político e à legislação que regula a actividade económica. Não é por acaso que usando a mesma matéria-prima humana – alemães -, a RDA tenha fabricado o Trabant, o pior carro do mundo, enquanto a RFA produzia os Porsches, Mercedes, BMW, Volkswagen e Audis.

Não o preocupa a excessiva exposição a Espanha, das nossas exportações?
Nem por isso. A Espanha é sem dúvida um grande vizinho e o grupo Inditex é um grande cliente. Uma das coisas que ajudou a salvar a nossa ITV foi o modelo inventado pelo Amancio Ortega, pois a velocidade obriga à proximidade.

Como pôr a fileira têxtil a falar a uma só voz?
O melhor cenário seria continuar o processo de consolidação até toda a fileira estar representada numa única associação. Se isso não for possível, seria aceitável, como plano B, a constituição de uma cúpula que fale por todo o sector.

O que é preciso para que isso aconteça?
Haver vontade de todas as partes, designadamente daqueles que aceitaram diminuir a competitividade dos seus associados ao assinarem um contrato colectivo que os obriga a dar regalias bastante bem acima das concedidas pela lei geral.

Perfil

54 anos, nasceu e cresceu em Braga, onde os pais tinham um negócio de mobiliário, com fábrica e rede de lojas (Móveis Machado). Engenheiro de Polímeros pela Universidade do Minho (1985), mal acabou o curso deitou mãos à tarefa de evitar que a Estamparia Adalberto morresse asfixiada por um passivo sufocante, acumulado por um motivo virtuoso: a compra de equipamento moderno.

Em jovem jogou xadrez a nível federado, o que tem ajudado a ser melhor gestor. “Normalmente nós somos bons a interpretar o passado. No xadrez, habituei-me a prever o futuro e antecipar o que vai acontecer três ou quatro jogadas à frente se eu mover uma peça numa determinada direcção”, conta Mário Jorge. Já não joga xadrez (“Fartei-me de perder contra o computador”) e também deixou o ténis (“Mas tenho saudades. Estou tentado a experimentar o padel”). Agora, limita-se a fazer jogging e Pilates, para manter a forma e a flexibilidade.  Casado com Ana Paula (filha de Noémia e Adalberto Pinto da Silva, fundadores da Estamparia Adalberto), têm três filhos: Jorge Adalberto, 31 anos, que já é empresário têxtil (AD Style) e está a fazer em Harvard um curso de Owner Management;  Ana Rita, 27, que se dedica à Psicologia na área de formação parental; e Maria Isabel, 15 anos, que está a fazer o secundário no CLIP e planeia ir para a área de Economia.

As perguntas de
Cristina Galvão
Directora Comercial da Villafelpos

Quais os factores críticos para o processo de industrialização do país?
O relatório da OCDE aponta o dedo a todos os factores que afectam a nossa competitividade. Para reindustrializar o país precisamos de ter legislação – não só a laboral mas também ao nível do licenciamento industrial – que seja amiga do investimento e de uma justiça que resolva rapidamente os conflitos.

Num mundo globalizado em rápida mudança, como vê a sua empresa daqui a dez anos?
Dentro de dez anos, vejo a Adalberto como líder europeia na área da estamparia. É esse o meu objectivo. E ao ser líder na Europa seremos naturalmente líderes mundiais, pois o gosto e o saber fazer europeu, na era da moda e dos têxteis-lar, são admirados em todo o mundo. Em qualidade e design não há quem nos iguale. Somos os melhores do mundo.

Artur Soutinho
CEO da MoreTextile

Como vê o futuro dos nossos têxteis-lar num ambiente de concorrência global com novos paradigmas de isolamento comercial nos USA e UK?
Atendendo à boa qualidade dos nossos produtos e aos investimentos das empresas em design e inovação, creio que vão continuar a existir boas oportunidades. O caminho vai ser complicado e o crescimento pode ser mais reduzido, mas estou optimista quanto ao futuro de quem souber fazer os seus trabalhos de casa.

Como se resolve a eterna competitividade, muitas vezes desleal, entre as têxteis-lar portuguesas, em detrimento da complementaridade?
Quem vende abaixo do custo acaba por ser eliminado. As empresas ou têm resultados ou tendem a desaparecer. Acho que todos temos de perceber que o inimigo está lá fora, e não cá dentro, e que os diferentes segmentos do sector – decoração, banho, cama, cozinha – devem unir esforços e tirarem partido da sua complementaridade para que os clientes nos vejam como um cluster.

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