Margarida Pizarro
"O que vendemos e exportamos é inovação"
T21 Junho 2017

Jorge Fiel

O pai queria que fosse para a medicina mas a paixão pela Pizarro falou mais alto.

Tanto somos capazes de responder a uma encomenda de 300 peças como a uma de 100 mil – afirma Margarida Pizarro, directora criativa e de produção de um grupo que factura 16 milhões de euros e emprega 480 pessoas em Brito.

Começaram como lavandaria, oferta que complementaram com acabamentos, tinturaria e estamparia. Era obrigatório?
São processos que se complementam. Inovação é o que nós vendemos e exportamos – mais de 60% directamente, percentagem que chega aos 95% somando exportações indirectas.

Faz ideia do que passou pela cabeça do seu pai para com 25 anos arriscar tudo e arrancar com uma fábrica?
Ele foi sempre uma pessoa muito dinâmica e arrojada. Começou a trabalhar, com 16 anos, numa cutelaria, esteve vários anos a vender sapatos na feira e até foi para as minas de carvão em Espanha. Quando regressou arranjou um trabalho numa lavandaria e percebeu que era aquilo que queria fazer. Começou o seu próprio negócio e arranjou uma máquina de lavar que adaptou à lavagem de jeans. Foi assim que o sonho começou.

Com o dinheiro poupado nas minas?
Nessa altura a palavra valia dinheiro. Começou sozinho, com a minha mãe, que era costureira, a dar-lhe uma mão sempre que podia. Nós vivíamos por cima da fábrica, que ficava na garagem. O senhorio, dono dos terrenos aqui à volta, acordou com o meu pai deixar crescer a empresa se ele fosse pagando até conseguir comprar tudo.

Apostou no segmento certo, os jeans, e no momento certo, o boom dos stone washed
Toda a gente queria jeans com aspecto usado e o stone wash foi um processo inovador. Esta necessidade do mercado permitiu que crescêssemos muito rápido. Noutra fase, as Margaritas e as Adelaides, que imitavam o uso natural da peça e um efeito 3D, desempenharam – e desempenham – um factor de diferenciação da empresa, uma espécie de assinatura.

Margarida Pizarro
"A Pizarro está na linha da frente. Somos a maior fábrica de acabamentos da Europa"

Qual foi o vosso primeiro grande salto tecnológico?
Flexibilizar a oferta através da montagem de tinturaria em peça, o garment dye, e posteriormente, em 1992, a autonomização de toda a produção da empresa. Mas o essencial foi percebermos que temos de estar sempre à frente, atentos ao que o mercado pede, garantindo inovação e qualidade.

…que consiste em…
Sermos capazes de desenvolver processos diferenciados, atendendo às necessidades dos clientes e salvaguardando a qualidade do produto.

Ainda há grandes encomendas?
Felizmente:-). Mas tanto somos capazes de responder a uma encomenda de 300 peças como a uma de 100 mil. Temos um espectro muito grande de clientes, que praticam preços ao público que vão desde os 19,99 aos 1 200 euros, o que nos exige uma grande maleabilidade ao nível da gestão de produto.

Ter uma colecção própria foi um passo fundamental?
Começámos a criar tendências, apresentando duas colecções por ano, sempre com dois ou três novos processos e tingimentos. Não era ético mostrarmos o que fazíamos para os outros clientes.

"O segredo está na conjugação de processos entre mão-de-obra e tecnologia"

O que tem mudado na relação com os clientes?
Sentimos uma maior confiança no nosso trabalho, ao ponto de virem cá desenvolver a sua colecção em conjunto. Trazem a sua visão de mercado e a sua estratégia, deixando-nos desenvolver e propor os produtos que melhor se adaptam ao seu público-alvo, que é vital para a nossa equipa de design.

Não há impossíveis?
O nosso lema é nunca dizer que não. Não há nada que não possamos fazer – a não ser imprimir dinheiro 🙂 ! Por muito impossível tecnicamente que pareça o pedido, nós respondemos sempre que vamos tentar. Nunca viramos a cara à luta. E se não conseguirmos fazer exactamente o pedido, o certo é que vamos conseguir uma solução parecida que satisfaça o cliente.

Com o Icelite, foram os primeiros a fazer uma lavagem 100% ecológica…
É uma inovadora solução de engenharia para arranjar uma alternativa ao uso de químicos na obtenção do efeito esbranquiçado na lavagem dos jeans. O jacto químico, em conjunto com a água necessária à sua neutralização (pesado para o meio ambiente) é substituído por um jacto de gelo a 70o graus negativos, projectado a alta pressão sobre a peça.

O processo está certificado?
Está mais que testado e é amigo do ambiente. A par do laser, que dá o efeito de abrasão, e do tratamento com ozono – que imita o efeito da peça estar dois anos ao sol -, o Icelite é uma lavagem 100% ecológica, certificada pelo CITEVE como eco-wash vintage. O único problema é que é 10 a 15% mais caro que a lavagem com permanganato.

Isso tem solução?
O CO2 é caro. Estamos a trabalhar numa solução que passa pela instalação de torres de refrigeração nas chaminés para reaproveitar o dióxido de carbono. Usando os três processos – icelite, ozono e laser -, poupamos 70 litros de água por peça. Se os utilizássemos em todas as lavagens, pouparíamos 280 milhões de litros de água por ano.

Foi um investimento elevado?
1,3 milhões de euros. Mas o decisivo não é ter o dinheiro mas sim a ideia e a capacidade para a concretizar. E aí o mérito vai direitinho para o meu pai, que dirige o departamento de inovação, onde consegue sempre arranjar as soluções, tanto ao nível de novos processos como da mecânica, para as necessidades sentidas pela parte criativa.

Como é que ele funciona?
Tem as ideias e lança os desafios. No caso do Icelite, o fabricante de máquinas italiano não acreditava que fosse possível. O processo estava sempre a dar errado. Mas o meu pai, persistente e teimoso como é, nunca desistiu. Viajou umas 30 vezes até Itália até a máquina ficar afinada.

Usam muitas máquinas feitas só para vocês?
Todo o nosso equipamento foi customizado, adaptado ao que pretendemos. São máquinas fabricadas de acordo com as nossas especificações ou alteradas e postas a funcionar com software desenvolvido por nós.

O segredo está na inovação?
Hoje em dia qualquer um compra as melhores máquinas. Basta ter dinheiro. A nossa vantagem competitiva está mesmo na inovação, dirigida pelo meu pai.

Ter dinheiro não chega?
Seria demasiado fácil. O segredo está na conjugação de processos entre mão-de-obra e tecnologia. Os nossos fornecedores sabem bem a volta que damos às máquinas deles. Até nos processos químicos inovamos. 90% de todos os processos que usamos foram definidos por nós.

Em que consiste o processo de envelhecimento Ecoblast?
Na substituição do jacto de areia – proibido, para evitar que a sílica seja inalada pelos trabalhadores – por um outro de um ecopowder que não é prejudicial à saúde e é administrado numa cabina especial que aspira os resíduos do pó. Foi um grande passo que demos na higiene e segurança no trabalho.

Está afinado?
A avaliação do CITEVE concluiu que a qualidade do ar é muito boa, não há qualquer perigo, e que o ruído é o normal numa indústria, basta usar equipamentos de protecção. A única recomendação foi a de melhorarmos a luminosidade nas cabinas, o que foi prontamente modificado.

Quando começam a oferecer estamparia digital?
Temos o investimento feito há dois anos, mas só agora começou a entrar em produção. Construímos uma máquina especial, que nos garante uma enorme flexibilidade na oferta, pois permite-nos estampar em peças confeccionadas e em quase todo o tipo de substractos.

Os italianos já não nos dão lições nos acabamentos?
O que está a acontecer em Itália é que apesar dos laboratórios se manterem lá, a produção e o know-how está a ser deslocalizado para a Roménia, Marrocos, Turquia e Ásia. A Pizarro está na linha da frente. Oferecemos inovação a um preço competitivo. Somos a maior fábrica de acabamentos da Europa, tratando anualmente 18 milhões de peças confeccionadas.

Para que serve o Concurso Pizarro?
Inovar é tão essencial como respirar. Sustentabilidade e respeito pelo meio ambiente são obrigatórios. Mas a alma do negócio está na criatividade. O concurso valoriza e estimula o trabalho dos jovens designers – mas também nos mantém ligados aos jovens. Somos um centro de moda, em rede com as escolas e universidades, empenhado em antecipar tendências.

A ideia é aproximar as escolas da indústria?
Queremos ajudar os jovens a perceber que não lhes basta desenhar. Têm de perceber as limitações da indústria e produzir em ambiente comercial. Estamos muito orgulhosos do concurso. Este ano, concorreram mais de 150 trabalhos. E estamos a pensar abri-lo a estudantes da Jeans School de Amesterdão e da Universidade de Design de Barcelona.

Qual foi o pior momento na vida da Pizarro?
Foi digerir o impacto negativo do investimento que fizemos no Brasil e que não correu nada bem. Assumimos o insucesso. A Pizarro abanou um bocado…

O que falhou?
Como a ideia era exportar para os EUA e Europa, localizamos a fábrica em Fortaleza, junto ao porto de mar adequado. Tivemos azar com a conjuntura, pois com a valorização galopante do real deixamos de ser competitivos em preço para a exportação.

O mercado interno não era alternativa?
Estávamos longe demais do coração da ITV brasileira que está no Sul, a milhares de quilómetros. E a rede rodoviária não é boa. Também erramos ao termos ido sozinhos, sem um parceiro local. Foi uma experiência muito negativa que ainda se repercute na vida da empresa.

Os clientes que fugiram para a Ásia já regressaram?
As marcas de topo estão a voltar. Os asiáticos não conseguem competir connosco em qualidade – não se pode pagar 200 euros por uma peça e dois meses depois ela estar a fazer peeling -, ou flexibilidade, pois rejeitam pequenas quantidades. E em rapidez, nós somos imbatíveis. Aprovada a lavagem, em dois ou três dias entregamos uma peça que passou por 15 a 20 processos.

É mais difícil competir agora que há dez anos?
Sem comparação! A nossa cabeça tem de estar sempre em movimento. Não temos margem de erro. Temos de ser capazes de responder na hora certa, com o produto certo, conforme aquilo que o mercado está a pedir.

É preciso muita ginástica…
Dantes, mais tarde ou mais cedo, vendia-se tudo quanto se produzia. Agora não é assim. As margens estão muito apertadas e não conseguimos fazer repercutir no preço final o aumento dos custos de produção. A nossa mais valia é ter uma equipa fantástica com um maravilhoso jogo de cintura, que nos ajuda a lutar pelos nossos objectivos. A grande luta é encontrar um equilíbrio entre processos inovadores e competitividade.

Made in Portugal já é um trunfo?
Na qualidade e serviço, a imagem de Portugal está cada vez mais forte. Então ao nível de flexibilidade nem se fala. Não temos concorrência.

Nem a Itália?
Na qualidade, se já não os ultrapassámos, pelo menos estamos no mesmo patamar. Só nos levam vantagem no marketing.

É aí que temos de melhorar?
No marketing, mas também na união. A ITV é uma indústria muito mais fragmentada que o calçado, tem muito mais subsectores com interesses específicos, mas não faz sentido nenhum estarmos divididos por diversas associações.

A ATP tem-se esforçado para continuar a consolidação associativa…
Valorizo muito os esforços que a ATP tem feito para unir o sector e não podemos abrandar. O caminho para uma união forte de todas as empresas têxteis e de vestuário é um caminho difícil, mas que tem de ser feito. É fundamental que a ITV portuguesa seja capaz de falar a uma só voz.

Perfil

Margarida Pizarro, 34 anos, nasceu em Brito, e é a filha do meio do casamento entre Fátima e Manuel, o casal que em 1983 fundou a Pizarro na garagem da casa onde ela viveu até aos três anos. Licenciada em Química (especialização em têxtil), pela Universidade do Minho, é autora de um romance (“Em busca das borboletas”) passado em Nova Iorque (“a cidade que mais adoro a seguir a Guimarães”) e que vai já na 3ª edição. Vive em Famalicão e tem um filho de dois anos, o Pedro.

O pai ainda tentou que fosse para Medicina, mas sem o mínimo sucesso, pois ela tinha dois amores verdadeiros: a química e a Pizarro. “Desde miúda que tinha queda para a química. Fascinavam-me as cores e o que se podia fazer num laboratório”, recorda Margarida que nunca teve dúvidas sobre qual seria o seu futuro: “Sempre me imaginei a vir para cá. Eu e os meus irmãos crescemos a brincar aqui. Nas férias grandes, entretínhamo-nos a ajudar a carregar as carrinhas. E eu adorava estudar na fábrica…”. Não espanta por isso que no final do curso se tenha apresentado para trabalhar na Pizarro. Começou por baixo, com salário de recém-licenciada, na tinturaria. No entretanto foi passando por todos os departamentos, para aprender os segredos do negócio e a tomar decisões. Agora é responsável pelas áreas Criativa e de Produção.

As perguntas de
Vasco Pizarro
Director de Marketing e Irmão mais novo

É difícil teres o teu pai como patrão (não vale mentir…)?
Na verdade até é muito fácil, pois o nosso pai sempre foi aberto a todas as novas ideias ou mudanças que gostaríamos de implementar, o que normalmente é um ponto de discórdia entre as gerações. Nós nunca tivemos esse problema. O nosso pai sempre nos incentivou a arriscar e a acreditarmos no instinto. Erramos muito ao longo dos anos, mas foi graças a isso que ganhamos a experiência que temos. Com menor ou maior discussão, sempre nos entendemos porque partilhamos a paixão pelo que fazemos – paixão essa que nos foi passada tão bem por ele. Por maior que sejam as dificuldades quando se acredita no que se faz e se faz aquilo que se gosta, mais cedo ou mais tarde os resultados aparecem. Ele é a prova disso.

Ser mulher é ainda um handicap no mundo empresarial?
Depende da nossa postura e forma de trabalhar. Nunca me limitei a queixar-me das dificuldades que me aparecem à frente por ser mulher. Sempre lutei para alcançar o meu objectivo, sem pensar muito se seria mais fácil ou difícil se fosse homem.

Manuel Pizarro
CEO Pizarro e Pai

Qual é a diferença entre a formação teórica da faculdade e a realidade da Indústria têxtil?
Muito grande. Na faculdade, infelizmente apenas nos preparam para a parte teórica do trabalho. Saímos com uns belíssimos conhecimentos teóricos que nem sempre conseguimos aplicar de imediato. No meu caso foi preciso ganhar alguma experiência para começar a assimilar o conhecimento com a prática. Essa é uma das maiores lacunas do Ensino Superior. Deveria haver uma maior aproximação dos alunos às empresas e à realidade profissional.

Qual a maior dificuldade em conjugares a vida profissional com a vida de mãe e mulher?
O mais difícil é encontrar o equilíbrio. Se passamos muito tempo a trabalhar, ficamos a pensar que estamos a descurar o papel de mãe. Se saímos mais cedo, para passar mais tempo em família, ficamos a pensar nos problemas que deixamos na empresa. Desligar o interruptor que nos liga à empresa é quase impossível, pois somos responsáveis por mais de 400 famílias. Todos os dias tento encontrar o equilíbrio que me permita desempenhar o melhor possível o meu papel em ambos os casos.

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