Manuela Araújo
"Estamos
ao nível dos melhores italianos"
T29 Fevereiro 2018

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Aos 64 anos não se arrepende de nada na sua vida. Apesar de ter nascido numa família onde, há gerações a perder de vista, corre sangue têxtil, em miúda Manuela Araújo nunca ligou muito à fábrica que o seu avô fundou na parte de baixo da casa onde vivia. Estava posta em sossego, casada, com filhos ainda pequenos e professora, quando o pai a desinquietou para ir trabalhar para a Lemar. Pensou duas vezes - mas a voz dos sangue acabou por falar mais alto. Foi há 30 anos. Meteu um licença de vencimento e trocou a sala de aulas e as crianças pelo chão de fábrica e os teares.

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ercebi que tínhamos de evoluir muito para sermos competitivos e os nossos produtos serem atraentes – garante Manuela Araújo, 64 anos, CEO da Lemar, acrescentando que a tecnologia e inovação são importantes, mas também é preciso know how e design.

Foi difícil trocar a vida calma de professora primária pela agitada e imprevisível de industrial?
Nem por isso. Sempre fui muito boa a adaptar-me a qualquer situação. Não demorou muito até me apaixonar pela indústria.

Por onde começou?
Na parte interna, comecei por explorar a essência dos tecidos e o posicionamento da fábrica nos mercados.

E a virar-se para a exportação…
Rapidamente percebi que não podíamos viver só do mercado interno e decidi começar a ir a feiras e a visitar clientes. A Mare di Moda, em Cannes, foi a primeira feira a que fui, há 20 e tal anos. Ter estado um ano em Londres a aperfeiçoar o meu inglês foi fundamental neste esforço para arranjar novos mercados.

Onde foi a primeira grande ofensiva externa?
A minha primeira grande aposta foi o mercado italiano. Diziam que estava louca, mas a verdade é que era lá que me sentia bem. Ainda temos agentes dessa altura – e grandes amigos como clientes.

O que aprendeu nesses primeiros contactos com um mercado tão exigente como o italiano?
Percebi que tínhamos de evoluir muito. Para sermos competitivos e os nossos produtos serem atraentes aos olhos dos compradores estrangeiros era obrigatório apresentarmos coisas novas e diferentes. O que implicou investirmos em teares mais versáteis.

Um grande passo em frente…
Tinha de ser. Vi logo que não chegaríamos muito longe nos mercados internacionais com os teares que tínhamos. Com tecidos lisos não íamos a lado nenhum.

Foi por isso que se envolveu no desenho dos produtos?
Atém de tudo os tecidos lisos não me enchiam as medidas. Gosto de mar, do verão, de cores fortes e alegres. Por alguma razão o verão é a nossa estação mais forte.

117 feiras
"As feiras continuam a ser imperdíveis. Os clientes gostam de nos ver lá"

As famosas riscas da Lemar nascem nessa altura?
As riscas – toda a gente adora as nossas riscas :-). A minha principal preocupação é sempre a de oferecermos aos clientes tecidos alegres e muito versáteis, que com um tratamento possam ser usados em coisas tão diversas como anoraks, sacos de viagem, roupa para o golfe ou para a neve.

Alargar a oferta a tecidos jacquard é o próximo desafio?
Essa hipótese esteve em cima da mesa. Mas decidimos não avançar já por aí. Em alternativa, investimos em novos teares da última geração. Vamos experimenta-los e veremo depois se encomendamos mais.

É sempre assim tão cautelosa?
Parecem-me muito bons mas eu não devo um tostão a ninguém e quero continuar assim. Vamos experimenta-los e, se gostarmos, na próxima época compramos mais.

Tecnologia e inovação são o essencial para ser competitivo?
Tecnologia e inovação são fundamentais, mas também é preciso ter know how e design – uma área a que dou bastante atenção.

"Rapidamente percebi que não podíamos viver só do mercado interno"

Porquê?
Sempre gostei muito de desenho. É por isso que me envolvo muito na área do design. Não sei sentar-me ao computador a fazer o desenho final, mas trabalho em papel e depois passam à escala.

Onde vai buscar a inspiração?
Gosto de ler, viajo muito, pesquiso bastante. De qualquer coisa sou capaz de arranjar uma ideia para um tecido. E nós, na Lemar, fazemos questão de estar sempre a apresentar coisas diferentes.

Desistiram de vez do jacquard ou o assunto está em banho-maria?
Por uma questão de estratégia decidimos adiar esse investimento.

É um projeto para a quarta geração?
Não penso reformar-me tão cedo :-). Os meus filhos já estão a trabalhar na empresa. O Armindo é mais extrovertido, virado para as Relações Públicas, e muito metódico, característica excelente para tomar conta das obras em curso na fábrica. O Alfredo sente-se mais à vontade com a parte interna e logística da fábrica.

As obras são para ampliar a capacidade produtiva?
Não vamos pela quantidade. O que pretendemos é otimizar o aproveitamento do espaço, para sermos mais eficientes, melhorar as condições de trabalho, pois passamos todos aqui a maior parte da nossa vida. O nosso objetivo não é crescer, mas sim modernizarmos a fábrica.

Small is beautiful?
Exatamente. Não nos interessa ser grandes. Queremos continuar a ser pequenos mas muito flexíveis com produtos de grande qualidade de modo a satisfazer os nossos clientes que estão sempre a pedir-nos a lua 🙂

E como é que conseguem entregar-lhes a lua?
Temos sempre investigação e produtos novos – e uma cultura de permanente inovação e criatividade, para diversificar e podermos sugerir-lhes coisas diferentes.

Além de tecidos, na sua maioria para banho, a Lemar também fabrica fraldas. É um segmento interessante?
Sim É um negócio que vem do tempo do meu avô e que mantenho porque está estabilizado. Conseguimos racionalizá-lo. Com novas máquinas fazemos o mesmo que fazíamos dantes com mais máquinas. E temos produtos com uma qualidade excelente que agrada muito a clientes importantes.

Como por exemplo…
Nas fraldas, vendemos para a Zara Home e a John Lewis, entre outros. E nos tecidos para carrinhos de bebé temos clientes como a Chicco ou a Peg Perego. O nosso produto não é o barato – distingue-se pela qualidade. Esse é o nosso posicionamento.

A concorrência pelo preço dos asiáticos não vos afetou?
Mesmo antes de se falar disso e da adesão da China à OMC que nós já comprávamos os fios mais caros para fabricarmos os melhores tecidos, que levam na etiqueta, como garantia, o nome das conceituadas marcas que os forneceram.

Os asiáticos não vos fizeram grande mossa?
Fariam se estivéssemos nos tecidos básicos. Mas nós fugimos a tempo para tecidos estruturados, com mais valor acrescentado, e por isso hoje em dia vendemos para a China e temos na nossa carteira de clientes marcas de prestígio como a Vilebrequin, Armani, Hugo Boss, Kenzo, Ralph Lauren ou Tommy Hilfiger.

A qualidade compensa?
A qualidade é indispensável para satisfazermos os clientes mais exigentes. Temos a preocupação de tentar estar sempre à frente da concorrência. Há dez anos que trabalhamos com fios ecológicos. E na Première Vision apresentamos pela primeira vez tecidos produzidos com fios feitos a partir de plástico resgatado aos oceanos.

Na era da internet, as feiras continuam a ser fundamentais?
As feiras continuam a ser imperdíveis. Para nos reunirmos cara a cara com os clientes. Eles gostam muito de nos ver lá, de marcar encontros connosco durante as feiras.

A Lemar foi a empresa que mais viajou com a Selectiva Moda: 117 feiras! A sua sorte é não ter medo de andar de avião…
Se tivesse medo a única solução era perdê-lo ;-). Sou uma pessoa extrovertida que sempre gostei muito de viajar. Não havia passeio do colégio a que eu não fosse.

A Itália continua a ser o vosso maior mercado?
Pode já não ser o maior mas é um dos principais. Temos estado a crescer muito bem nos Estados Unidos – há sete anos que não faltamos a uma PV Nova Iorque.

Sente que a imagem externa de Portugal tem melhorado muito?
Sempre fomos muito bem tratados no estrangeiro. Mas é inegável que o made in Portugal está cada vez mais conceituado – e que a têxtil deu um enorme contributo para a melhoria da imagem do nosso país no exterior.

A imagem corresponde à realidade?
Na têxtil, estamos claramente ao nível dos melhores italianos. E o mercado reconhece isso.

Perde vendas por causa do preço?
Se um cliente quer qualidade tem de pagar o preço dessa qualidade. Não abdico da minha margem.

Em que pé estão os vossos projetos de inovação e desenvolvimento de novos tecidos técnicos?
Com o CITEVE, fizemos dois protótipos de fatos para bombeiros muito leves, que toda a gente reconhece ser do mais avançado que há no mundo.

Já receberam encomendas?
Não. Queixam-se que os fatos ficam muito caros. Mas não podia ser de outra maneira. Como não há dinheiro para proteger adequadamente os nossos bombeiros, se calhar vão comprar à China que é mais barato…

Desistiram dos têxteis técnicos?
Não somos gente para desistir. Temos mais dois projetos a andar, em parceria com a FEUP e um confeccionador para construir fatos de trabalho para quem trabalha com raios-x e em condições atmosféricas extremas.

De que mais se orgulha destes 30 anos que leva na ITV?
Sinto-me muito orgulhosa por ter conseguido manter e fazer progredir a empresa criada pelo meu avô e continuada pelo meu pai. Esforcei-me e continuo a esforçar-me muito para que a Lemar tenha futuro.

E de que é que se arrepende?
Não me arrependo de nada, de nenhuma decisão que tomei. Tudo que eu faço e digo vem-me do coração.

Sente-se feliz?
Gosto muito de trabalhar. É com prazer que venho todos os dias para a fábrica. Não sou rica mas não me falta nada e não devo um tostão a ninguém. Se as pessoas que estão à minha volta estiverem bem, eu também estou.

Alguma vez teve problemas por ser mulher?
Nada. Zero! Nunca tive problemas. Absolutamente nenhum. Sempre fui muito respeitada por todos – clientes, fornecedores e colaboradores. Mas nunca senti o mínimo problema por ser mulher.

Sente que o seu país a está ajudar a exportar mais?
Nem sempre temos o apoio no terreno de que precisamos. Há casos, como o do Japão, em que o embaixador e o delegado do AICEP são cinco estrelas e ajudam-nos imenso. Tal como na Colômbia, em que os nossos representantes também são uma referência. Mas há outros casos que nem quero comentar…

Perfil

64 anos, nasceu em Pevidém, onde ainda trabalha (a fábrica da Lemar está instalada na casa do avô, Leandro Magalhães Araújo, o fundador da empresa), e vive em Santo Tirso. Após a primária (Colégio da Nossa Senhora da Conceição, em Guimarães) e o secundário (Sagrado Coração de Maria, em Braga), esteve um ano em Londres, a tornar-se fluente em inglês, antes de fazer o Magistério Primário. Foi professora durante 11 anos até que em 1996 acedeu ao convite do pai para integrar os quadros da fábrica. Casada com Alfredo, tem dois filhos – Armindo, 40 anos, ex-campeão nacional e mundial de ralis, e Alfredo, 34 anos -, a quarta geração da família Araújo que já trabalha na empresa

As perguntas de
Armindo Araújo
Filho mais velho e administrador da Lemar

Qual a tua opinião sobre a reação do bisavô Leandro se fosse possível ele hoje ver a transformação da Lemar?
Com toda a certeza que ficaria muito feliz! Teria muito orgulho na sua descendência e 80 anos depois ver a “sua fábrica” ser conhecida e conceituada em todo o mundo.

Tens 100% de certeza que a tua ida para a Lemar foi a melhor opção de vida?
Acho que sim. Estou realizada, sinto-me feliz e estou a dar tudo que tenho de bom pelos meus filhos e pelos meus netos. Tenho a certeza que tudo o que lhes tenho incutido, fará com que o nome dos nossos antepassados jamais seja esquecido.

Alfredo Araújo
Filho mais novo e administrador da Lemar

Com os olhos no futuro já consegues imaginar os teus netos Mafalda e Tomás na gestão da Lemar?
Já! Acho que sim. São duas crianças cheias de garra! Vai depender um pouco dos pais lhes darem ferramentas para eles irem por aí fora. Tenciono ainda dar a minha dica…

Se hoje tivesses que optar pela reforma ou trabalhar até aos 100 anos, o que escolhias?!
Não tenho previsões temporais na minha vida. O que eu tenho é uma vontade enorme de ser útil aos meus filhos e a quem precisa de mim. No entanto, enquanto me sentir desejada no lugar que ocupo não pensarei retirar-me.

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