Manuel Sá
"Somos muito rápidos a pensar e a executar"
T18 Março 2017

José Augusto Moreira e Raposo Antunes

Manuel Sá, 58 anos continua a ter como principal gozo a maquinaria e o processo de produção. Mais do que máquinas, na S. Roque vendem soluções.

F
F

azemos as máquinas em função daquilo que os clientes pretendem fazer com elas. E aí a negociação já não é quem faz mais barato, mas quem tem melhores soluções – explica Manuel Sá 58 anos, CEO da S. Roque, o maior fabricante mundial de máquinas de estampar.

Na mensagem corporativa da S. Roque diz que a força da empresa não se esgota nos produtos que cria. A real força é a dedicação que imprime na busca de soluções de engenharia. Como é que se chega a isso?
Nós primeiro tentamos perceber o que é que o mercado necessita. Nós vamos à procura do cliente para perceber o que ele quer e qual a solução que precisa no dia-a-dia. Daí tentamos encontrar a solução para o que ele quer fazer.

Vende máquinas de estamparia nos cinco continentes. Como é que foi passar do mercado nacional para o mercado mundial?
Com muito trabalho e muito sacrifício. Uma coisa é o mercado nacional. Outra coisa é lá fora. Tentam ver logo qual é a origem do produto – Portugal. E eles interrogam-se: mas eles têm tecnologia para isso? E isso é logo uma dificuldade. Mas conseguimos ultrapassar esse problema e fomos entrando nos grandes mercados. Começamos por nos implantar no Brasil, onde nos sentíamos mais à vontade, e daí começamos a saltar para outros países.

Mas como é que se faz isso? É só trabalho e sacrifício?
Uma das nossas mais-valias foi precisamente as soluções que apresentamos. Não é só chegar lá com uma pasta e um catálogo e começar a vender. Tivemos que fazer feiras, mostramos que tínhamos soluções para o que os clientes pretendiam.

O que tinham essas soluções para cativar os compradores das máquinas?
Eram sempre diferentes do que a concorrência apresentava. Nós costumamos dizer que não fabricamos máquinas, criamos soluções. E essas soluções conquistaram esses mercados.

Mas eram os próprios clientes a sugerir as soluções?
Não. O cliente diz que quer uma máquina para fazer isto, outra para fazer aquilo. A partir daí, desenvolvemos a máquina.

Dividir
"Não podemos ficar só dependentes de um tipo de máquina, de um cliente, ou de um só mercado."

Pode dar um exemplo?
Tivemos um cliente no Brasil que fazia bermudas e tinha um problema. A máquina que tinha de estampar só fazia uma perna de cada vez. Ao juntar as duas acabavam por ficar com tonalidades diferentes. Aquilo que fizemos foi alargar a área de estampagem de forma a fazer as duas pernas ao mesmo tempo. Mas este é apenas um de muitos exemplos.

Então, a sua vida é andar pelos clientes que tem espalhados pelo mundo a dar soluções…
Exactamente. Nós também costumamos dizer que não vendemos máquinas, vendemos soluções. Por exemplo, a solução encontrada para o cliente das bermudas no Brasil acabou também por ser utilizada em máquinas para outros clientes. Se nos cingirmos só às máquinas e a quem as faz, a discussão limita-se ao preço. Connosco não é assim. Nós fazemos as máquinas em função daquilo que os clientes pretendem fazer com elas. E aí a negociação já não é quem faz mais barato, mas quem tem melhores soluções.

"Não há nada que se faça que eu não saiba. Estou permanentemente na produção. O meu escritório é só para fazer assinaturas"

Em 2002 vendeu três milhões de euros, em 2016 chegou aos 39 milhões. Onde quer parar?
O cliente e o mercado é quem dizem. Agora estamos a entrar em novas áreas como a estamparia digital. Mas vamos também diversificar produtos, fazendo novamente máquinas de dobrar e embalar. Estamos a ser solicitados pelo mercado chinês para este tipo de máquinas, que já fizemos no passado. Não podemos ficar só dependentes de um tipo de máquina, de um cliente, ou de um só mercado. Temos de dividir os ovos por vários cestos.

Tudo o que sai da S. Roque é invenção sua. Como é que germinam na sua cabeça os conceitos para criar uma nova máquina?
Agora não. Já tenho uma equipa a trabalhar comigo. Mas é tudo resultado das necessidades e daquilo que o cliente quer. As nossas máquinas ovais, que permitem também uma dupla produção, foram assim que nasceram. Mas muitas outras também.

Portanto a lógica da empresa é nunca dizer não a nada?
Essa é a orientação que têm os nossos vendedores. Ter uma atitude pró-activa.

O que é mais importante no processo de criação: perceber como funciona o ferro ou o aço ou a criação da “geringonça” em si?
Tenho que me basear no que tenho cá dentro para arranjar a solução. Tenho também que me basear no preço. Há muitas formas de matar pulgas, mas matá-las com uma pistola fica caro. Temos de encontrar uma boa solução e a um bom preço. E de preferência fazendo uma máquina que os nossos concorrentes não possam copiar.

Começou a trabalhar aos 13 anos na Sampaio, Ferreira & Ca Lda. O que é que lá aprendeu?
Comecei a trabalhar na serralharia dessa empresa. Tinha concluído a 6.ª classe e fui trabalhar, enquanto à noite frequentava o curso de serralharia mecânica da Escola Industrial e Comercial de Guimarães. Consegui conciliar a teoria e a prática. Foi bom.

Nessa altura não fazia também as suas gerigonças em casa?
Todos os brinquedos que tinha era eu que os fazia. Mais tarde até cheguei a fazer uma bicicleta de três andares aqui para o Carnaval de São Roque.

Como surgiu o impulso para trabalhar por conta própria aos 23 anos?
Estava muito ligado às motas e aos carros. Quando ia estudar à noite para Guimarães ia numa moto do meu pai que foi toda kitada por mim e pelo meu irmão. O meu início foi a fazer acessórios para as motorizadas que vendia a garagens.

Nessa altura, alguma vez lhe passou pela cabeça que pudesse ser hoje um líder mundial no fabrico de máquinas para estamparia?
Não. É lógico que não. Naquela altura eu fazia tudo o que me aparecia. Peças para motorizadas, carros, e outras coisas. Até uma máquina para mexer a farinha para uma padaria. As máquinas de estampar surgiram bastante tempo depois. Foram umas pessoas daqui que queriam que eu fizesse uma máquina igual a uma outra. Eu disse que não. Faço uma para aquilo que vocês querem, mas não vou copiar nada. Vou fazer uma máquina automática e pneumática. Passados uns tempos começaram a surgir pedidos para fazer mais máquinas como a que tinha feito. E foi assim que tudo começou.

Alguma vez sentiu, ou percebeu, que as suas máquinas eram desvalorizadas pelo facto de serem fabricadas em Portugal?
Lembro-me de uma ocasião numa feira que o cliente já estava todo entusiasmado, praticamente com o negócio fechado, e de repente viu que a máquina era fabricada em Portugal. Então levantou-se da mesa onde estávamos a falar, começou a dar várias voltas à máquina, mas acabou por comprá-la.

A que se deveu essa desconfiança?
É preciso ver que nós temos concorrentes alemães, italianos e americanos. Em termos de imagem tecnológica do país nós éramos os mais desfavorecidos. Até mudamos o made in Portugal para o made in EU. E os sites de .pt para .com. Não podemos estar com sentimentalismos.

Até 2004 vendiam quase só em Portugal. O que vos empurrou para o mercado externo, nomeadamente para o Brasil em primeiro lugar?
Já tínhamos algumas máquinas no Brasil e sentimos que havia ali potencial. Criamos a S. Roque Brasil como uma plataforma para poder atender aqueles clientes que não tinham potencial para importar as máquinas. E foi aí que demos o grande salto.

Nos primeiros anos, não tinha ninguém ligado às vendas. Quando ou como percebeu que isso era importante para o crescimento?
No início fazia o chamado três em um. Desenvolvia, vendia e montava. Quando as coisas começaram a crescer, tivemos que criar uma área comercial.

Vai criar uma nova unidade de produção. Quer explicar-nos em que consiste?
Estamos numa fase de ampliação das instalações para a produção de máquinas de dobrar e embalar.

Como é que uma empresa passa de 3 para 32 mil m2 de área de laboração e de 40 para mais de 400 trabalhadores?
Esses números já estão desactualizados. Nos últimos meses já entraram mais 25 funcionários. E a área também já é maior. Temos mais três mil m2 de um novo pavilhão. Em 2017 devemos chegar aos 37 mil m2.

Como se gere um crescimento desses?
Primeiro foi o mercado que ditou as leis. Se o mercado não pedisse máquinas, não chegávamos a esses números. O mercado é bem trabalhado, a imagem da nossa marca também foi bem desenvolvida nas muitas feiras em que participamos.

Mesmo com tantos trabalhadores continua a tratá-los todos pelo próprio nome?
É lógico que é difícil saber o nome de todos. Temos muita gente nova a entrar. De início foi um bocado difícil para mim esse crescimento, porque estava habituado a tratar com eles como se isto fosse uma família. Conhecia até problemas particulares deles.

Ainda controla todos os pormenores do processo de fabrico?
Não há nada que se faça que eu não saiba. Estou permanentemente na produção. O meu escritório é só para fazer assinaturas depois vou à minha vida, para o meio das máquinas. Eu gosto de desafios e sempre que um cliente me apresenta um problema, tento encontrar uma solução. É disso que eu gosto.

E como é o processo de selecção de novos colaboradores?
Isso de meter mais pessoal nunca me preocupou. Se hoje precisamos de mais pessoas para trabalhar temos que as contratar. Depois, se houver mudanças e precisarmos de menos gente, veremos como resolver o problema. Quanto à selecção, é tudo malta jovem. Nós fazemos cá a formação, transmitimos-lhes o nosso know how e a experiência.

Não receia que a S. Roque seja ultrapassada por países emergentes como China ou Índia?
É lógico que isso é sempre uma preocupação. Mas a partir do momento que continuemos no nosso trajecto de inovar e se prosseguirmos no nosso caminho, acho que isso não vai ser problema. Candeia que vai à frente ilumina duas vezes.

O que é que lhe dá mais gozo. Vender uma máquina de milhões ou criar uma nova peça?
A mim o que me dá mais prazer é encontrar soluções. Se for a pensar no dinheiro, penso: “Pára por aqui que já não é preciso mais”!.

E no plano pessoal, o que gostaria de ter feito e ainda não conseguiu?
Tenho feito muitas coisas. Tenho uma outra área de negócios que é os vinhos. Tenho a Quinta Gomariz onde também tento fazer algo de novo e inovador. Foi um desafio. E eu gosto de desafios. Comecei a ganhar prémios de todo o lado. Tentei fazer um vinho verde para quem não gostava de vinhos de verdes. Também gosto muito de arquitectura. Ás vezes faço uns projectos.

Como olha para o futuro da S. Roque quando se reformar?
Espero que a S. Roque continue com aquilo que eu criei e implementei – e dêem continuidade a isso.

Tem algum plano de sucessão?
Não passa por nenhum filho. A minha filha mais velha trata da quinta. O que faço aqui é pôr a equipa a funcionar e a questão da continuidade já está resolvida com a introdução de um modelo de gestão profissional. Em 2013 a S. Roque associou-se a um fundo de investimento, precisamente para que tivesse uma gestão profissional e não ficasse dependente ou à espera de qualquer sucessão familiar.

Perfil

Manuel Sá, 58 anos, nasceu e cresceu em S. Roque, Riba D’Ave, e começou a trabalhar aos 13 na Sampaio, Ferreira & Ca Lda., onde se encantou pelos mecanismos das máquinas têxteis. Aos 23 já tinha oficina própria, mas nem em sonhos imaginava que viria a ser o dono do mundo na estamparia têxtil. As suas máquinas estão nas fábricas de todos os continentes, a S. Roque é líder mundial, factura mais de 40 milhões e emprega 415 trabalhadores

É o 8º de uma família de nove irmãos e as obras de construção civil a que o pai se dedicava não davam para todos. Em Riba d’Ave todos tinham familiares na têxtil Sampaio, Ferreira & Ca Lda. e lá foi, aos 13 anos, para as oficinas de manutenção. Estudava à noite na Escola Industrial de Guimarães e juntava a teoria à prática: nas aulas era o senhor do torno (“O professor pedia-me para mostrar como se fazia”) e na fábrica já trabalhava cálculos e tabelas “que aquela malta nem sonhava como era aquilo”. O seu maior gozo continua a ser a maquinaria e o processo de produção (“Se fosse pelo dinheiro já podia dizer: pára”). Também gosta de arquitectura (“Às vezes faço uns projectos”) e meteu-se com sucesso nos vinhos verdes (Quinta de Gomariz). “Começaram a chover prémios de todo o lado”, mas é agora a filha mais velha, licenciada em Gestão, quem trata da quinta. Tem mais dois filhos, mais novos, mas já decidiu que a S. Roque não vai esperar pela sucessão familiar. “O que faço aqui é pôr a equipa a funcionar e isso já está resolvido através de um modelo de gestão profissional”.

As perguntas de
Fernando Ferreira
Director do Centro de Ciência e Tecnologia Têxtil 2C2T da UM

Face a um negócio têxtil/moda globalizado, com exigências de flexibilidade, qualidade e resposta rápida, qual o potencial da produção de equipamentos têxteis em Portugal para a indústria nacional e internacional?
Essa capacidade vai depender muito dessas dificuldades que os clientes nos trouxerem. Mais uma vez vamos tentar encontrar soluções. Fala-se muito dos clusters, mas isso ao nível da maquinaria não existe.

Neste cenário de grande competitividade, como valoriza a relação das empresas com os centros de investigação e desenvolvimento?
Não temos tido muitos contactos. Temos trabalhado mais nós próprios. Somos muito rápidos a pensar e a executar. Já tivemos algumas parcerias, nomeadamente com o CITEVE, mas essas parcerias normalmente não são para hoje são para ontem. E nós temos de ser mais rápidos para atender os nossos clientes.

Braz Costa
Director-Geral do CITEVE

Que plano tem a S. Roque para a adopção dos princípios da indústria 4.0 nos seus equipamentos?
Já estamos a trabalhar nisso. Temos um projecto novo que é o das máquinas comunicarem entre elas. Este ano já vamos ter essa tecnologia aplicada nas máquinas.

Qual é a percepção que tem da substituição das tecnologias tradicionais de estamparia pelas da estamparia digital?
Não é fácil o digital fazer tudo o que faz o serigráfico. O digital conjugado com o serigráfico faz uma boa junção, que é aquilo que nós estamos a fazer – uma máquina híbrida. O digital faz o que o serigráfico não consegue e vice-versa. É isso que nós estamos a desenvolver. A moda quer coisas novas e nós tentamos criar coisas novas também para a moda.

Partilhar