João Carvalho
“Adaptação à mudança é a chave do sucesso”
T27 Dezembro 2017

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«Vamos apostar cada vez mais nos tecidos para mulher. Neste momento 70% da nossa coleção é de Homem e apenas 30% Senhora.»

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procura de engenheiros têxteis já excedeu claramente a oferta, garante João Carvalho, 60 anos, CEO da Fitecom, acrescentando que para contornar essa falta tem contratado engenheiros químicos e mecânicos, dando-lhes formação têxtil internamente.

A crise bateu à porta dos lanifícios bem mais cedo do que no resto da têxtil…
Muito mais cedo. Os problemas nos lanifícios começaram a fazer-se sentir logo no pós 25 de abril de 1974 e agudizaram-se ainda mais a partir do início dos anos 80, quando as empresas perderem a competitividade face à concorrência internacional, designadamente dos italianos e espanhóis.

Porque é que isso aconteceu?
As empresas deixaram de ser competitivas fundamentalmente devido à obsolescência dos seus parques de máquinas.

O que podia ter sido evitado com investimento em equipamento…
É muito fácil estar a fazer agora o diagnóstico, a 40 anos de distância dos acontecimentos, não levando em conta a conjuntura da época. A seguir ao 25 de abril, os aumentos brutais nos custos da mão de obra e da energia, bem como os problemas laborais, convidavam os empresários a desistirem…

Que foi opção da maioria dos empresários…
Não podemos julgá-los. Foram tempos muito complicados, com greves, fábricas intervencionadas e a banca a praticar juros altíssimos, o que dificultava seriamente a capacidade de investimento. A generalidade dos empresários estava escaldada e descapitalizada.

O resultado final foi devastador…
Pois foi. Há cerca de 30 anos, havia mais de 50 empresas de lanifícios aqui à volta da Covilhã. Sobraram 4 ou 5… Mas não foi só aqui. A Espanha também tinha uma forte indústria laneira e o hoje ela não tem significado.

Sente tristeza por essa hecatombe?
É muito subjetiva a análise destes fenómenos. Os investimentos na nossa indústria são sempre muito avultados e comportam uma enorme componente de risco. Num ambiente adverso, temos de compreender as pessoas que optam por não continuar, por não sentirem vontade nem força para reinventarem o negócio. Tudo nasce, cresce e morre.

Venceu a têxtil
A mãe, imaginava-o professor, o pai, preferia-o médico. Mas ele optou por Engenharia Têxtil... e bem.

O que o levou, com 36 anos e dois filhos pequenos, a fazer um trajeto ao contrário e investir nos ativos de uma empresa falida?
Eu conhecia bem a José Esteves Fiadeiro, onde trabalhava há três anos. Sabia que era uma empresa com uma tecnologia razoável e tinha ideias muito claras sobre o que devia fazer.

Qual era a sua estratégia?
A partir de uma fábrica pequena criar uma empresa de elevado potencial, capaz de produzir tecidos que competissem no mercado internacional, não pelo preço mas pela qualidade e design. E apostar decididamente na exportação – a José Esteves Fiandeiro trabalhava só para o mercado interno.

Uma estratégia que foi evoluindo…
A ideia inicial era a Fitecom ter uma pequena tecelagem, para fabricar amostras e pequenas séries, e comprar fora o restante serviço. Mas com o tempo fomos investindo, a montante na fiação e a jusante na tinturaria e acabamentos, e acabamos por nos tornar verticais.

"UE e OMC fecham os olhos ao dumping dos asiáticos"

A adesão da China à OMC, no início do século, foi um novo murro no estômago dos lanifícios?
É óbvio que não trabalhamos com as mesmas ferramentas dos asiáticos, que além de terem custos menores de mão de obra e energia, ainda por cima fazem dumping.

Como é resistirem a essa concorrência?
Eles invadiram a Europa com tecidos clássicos a preços baixos. Nós combatemo-los com inovação, design e diferenciação.

A receita ainda funciona?
Atualmente os chineses fazem todo o tipo de tecidos. A nossa vantagem competitiva assenta não só em tentarmos estar sempre à frente na componente moda e de produtos técnicos inovadores, mas também na proximidade e flexibilidade que nos permite entregar rapidamente séries pequenas.

O embate com a concorrência asiática foi o pior momento que viveu nestes 25 anos de vida como empresário?
O pior foi o período de constante subida dos preços das lãs. Ao contrário do que acontece com alguns concorrentes, na Fitecom pensamos sempre nos valores de reposição do stock e por isso fazemos logo refletir esse aumento no preço final, em vez de sacrificar a nossa margem. Prefiro vender menos mas a preços atualizados.

Qual é a sua explicação para inflação no preço da matéria prima?
Ainda não percebi se ela se deve a uma escassez ou a uma intervenção massiva dos asiáticos. O certo é que na última meia dúzia de anos o preço da lã duplicou.

O da nacional também?
A lã nacional, do Alentejo ou Beira Baixa e que vale cerca de 30% da matéria prima com que trabalhamos, acompanhou essa subida. O seu preço também duplicou.

É por falta de oferta que não compra mais lã em Portugal?
Nunca sentimos dificuldade na aquisição. O problema é o preço.

Então porque é que não se abastece mais cá? Falta de qualidade?
Não é pela qualidade. Tem a ver com o tipo. As lãs nacionais são boas para fabricar cardados. Mas produzir lãs finas, para os tecidos de verão, temos de as importar.

Foi devido à proximidade da matéria prima, que a nossa indústria de lanifícios nasceu aqui…
O que levou o Marquês de Pombal a localizar aqui a Real Fábrica de Panos – que ficava onde está agora a UBI – foi não só essa proximidade da lã mas também a dureza do PH das águas da Serra da Estrela, que são as mais adequadas para a lavagem das lãs.

Dois séculos e meio depois, estar na serra ainda é uma vantagem competitiva?
Há nesta região uma cultura e know how de lanifícios que são importantes. A existência de mão de obra especializada era outra vantagem que agora está a desaparecer. Um número elevado de pessoas têm vindo a reformar-se e há uma enorme dificuldade em substituí-las por gente jovem.

Os custos da interioridade são reais?
Há cada vez menos gente a viver aqui. Uma boa parte dos nossos jovens que vão estudar para o Porto e Lisboa acabam por não regressar. Além disso, como recebemos por mar a maior parte da matérias primas, temos de arcar com custos de transportes superiores aos que teríamos se estivéssemos no litoral, para além de todos os outros custos de contexto.

Mas estão mais perto da Europa. Não poupam nos custos da exportação?
O preço é igual, quer carregue o camião em Lisboa, no Porto ou na Covilhã.

Queixou-se da falta de mão de obra especializada. Também sente a escassez de engenheiros têxteis?
A procura de engenheiros têxteis já excedeu claramente a oferta. Para contornar essa falta tenho contratado engenheiros químicos e mecânicos, e a seguir dou-lhes formação têxtil internamente – mas não é a mesma coisa que trazerem da universidade essa formação de base.

A UBI deveria voltar a ter o curso de Engenharia Têxtil?
Mas não com os antigos currículos. O que defendo, e já sugeri, é uma reformulação, integrando a Engenharia Têxtil com o Design Têxtil e Design de Moda.

Essa proposta tem pernas para andar?
Tem. Mas não sei se vai andar :-). Já se falou muito nisso. Estou firmemente convencido que faria todo o sentido a UBI ter um curso de design com uma forte base tecnológica.

Voltando à Fitecom. Está a virar o leme em que direção?
Vamos apostar cada vez mais nos tecidos para mulher. Neste momento 70% da nossa coleção é de Homem e apenas 30% Senhora. Estamos a partir para uma inversão destas percentagens e para passar a dar mais atenção à moda no feminino.

As diferenças são grandes?
Os tecidos femininos têm de ter mais moda, mais cor e mais design. A mulher está mais interessada no look. O homem tem uma apetência maior por tecidos clássicos mas com novas funcionalidades, o que implica uma preocupação permanente ao nível tecnológico.

O esforço em I&D é apenas interno ou apoia-se na universidade?
Temos equipas nossas a trabalhar com a UBI e outras entidades do sistema científico e tecnológico nacional. Com muito bons resultados.

Como por exemplo?
São tantos… Os tecidos de lã laváveis à máquina – nós, homens, estamos sempre a sujar as calças :-). Os tecidos anti-odor, com tratamento anti-microbiano e mercerizados, com um toque idêntico ao da seda. E mais recentemente o tecido que é 100% impermeável por estar recoberto com uma membrana e com tratamentos hidrofóbico e oleofóbico.

Qual é o custo de contexto que mais afeta a vossa competitividade?
O preço da energia, bastante mais elevado que o dos italianos, que são os nossos concorrentes mais diretos, e mesmo assim estão a deslocalizar produção para Leste, onde esses custos ainda são mais baixos. É uma questão grave que cabe aos nossos governantes resolver.

Os custos da mão de obra não o afligem?
Na nossa estrutura de custos, a energia tem um peso idêntico aos dos salários. E não podemos pagar salários mais baixos, sob pena dos nossos trabalhadores deixarem ter as condições mínimas para levarem uma vida digna e razoável. Não é a subida do salário mínimo que me preocupa…

O que o preocupa mais?
O facto da OMC e a União Europeia persistirem em assistir impávidas e serenas, fechando os olhos face à prática de dumping pelos grandes produtores asiáticos, como a China e a Índia.

O que é fator crítico para o sucesso na têxtil?
A adaptação à mudança. Em vez de perdermos tempo a queixar-nos da crise temos de canalizar toda a nossa energia para o esforço de permanente adaptação às novas realidades.

Como é que se desenha uma estratégia vencedora?
Se soubermos analisar o passado e tivermos um bom conhecimento do presente arriscamo-nos a ser bem sucedidos e a extrapolar o que vai acontecer no futuro.

É boa a imagem que os compradores estrangeiros têm da nossa indústria têxtil?
Muito boa. Ao nível da qualidade do produto, vêem-nos ao mesmo nível que os italianos. Mas no que toca ao design acham que estamos um bocado abaixo…

…têm razão?
Não. É apenas um problema de perceção. Na realidade, acho que também no design estamos no mesmo patamar que os italianos. Temos de melhorar a nossa comunicação para mostrar na sua plenitude tudo que somos capazes de fazer.

Perfil

60 anos, nasceu, cresceu e vive na Quinta dos Termos, Belmonte, e é fruto de uma distração dos pais  – ela tinha 44 anos e ele 47 quando o tiveram. A mãe, Adelina, imaginava-o professor primário, o pai, Alexandre, preferia-o médico. Mas ele optou por Engenharia Têxtil (UBI). Casado com Lurdes, também engenheira têxtil (conheceram-se durante o Propedêutico e ela desistiu de fazer Engenharia Química no Técnico para ficar junto ao namorado), têm dois filhos: Miguel, 34 anos, engenheiro eletrotécnico, trabalha na Fitecom, e Pedro, 27 anos, economista pós graduado em Wine Business, encarrega-se dos negócios agrícolas da família.

Ainda adolescente, debutou no setor primário trabalhando a parcela de terra que o pai lhe atribuiu na quinta da família. Andava a meio do curso, quando começou a dar aulas de Desenho e Geometria Descritiva, numa digressão pelo terciário, onde se demorou 20 anos, a maioria dos quais como professor de Tecnologia de tecidos e Desenho Têxtil na UBI. A estreia no setor secundário deu-se logo mal acabou o curso. Primeiro como diretor técnico da Sociedade de Fabricantes do Tortosendo.  Depois na José Esteves Fiadeiro, onde estava há três anos quando a empresa entrou em insolvência  – e acabou por comprar conjuntamente com mais dois sócios os seus ativos, com um empréstimo de mais de uma centena de milhares de contos contraído no Banco Borges & Irmão. Nascia a Fitecom (razão social obtido a partir de fios, tecidos e comercialização), um dos esteios da sua vida empresarial. O outro é a agricultura. João acabou por retornar às origens, tornando-se o maior produtor de vinho de Denominação de Origem Controlada da Beira Interior na sequência de investimentos que multiplicaram por três a área da Quinta dos Termos.

As perguntas de
José Robalo
Presidente da ANIL

A situação na Catalunha pode afetar o negócio da Fitecom e da ITV, em geral?
No nosso caso concreto, estou convencido de que não nos vai afetar. Não estou a ver os espanhóis a baixarem o consumo por causa deste diferendo. É uma questão que não me tira o sono.

A tensão na Ásia provocada pela Coreia do Norte pode ter repercussões negativas no negócio têxtil?
A Coreia do Norte é um problema real que pode criar uma enorme instabilidade nos mercados, mas creio que terá mais repercussões negativas em setores como a eletrónica do que na têxtil. No nosso caso, o efeito até pode ser positivo, ao levar ao não consumo de produtos asiáticos.

Até que ponto os preços da lã estão a prejudicar a atividade da Fitecom?
É uma situação constrangedora e não linear, pois tanto sobem como descem. Não é fácil perceber qual é o momento certo para comprar ou fixar o preço. E para desestabilizar ainda mais, há quem sacrifique as suas margens e faça concorrência desleal ao não refletir os aumentos da matéria prima no preço final.

Baltasar Lopes
Administrador da Albano Morgado

A Fitecom é uma empresa jovem, com um surpreendente crescimento e notoriedade internacional reconhecida. Como foi possível?
Desde o início que a nossa filosofia teve sempre como principal vetor a inovação e a diferenciação. Com um cuidadoso estudo de mercado, tentamos sempre produzir o produto certo com todos os fatores intrínsecos cuidadosamente estudados por forma a satisfazer os mercados selecionados. Todo o dinamismo e capacidade de adaptação às novas solicitações de mercado, têm vindo a fazer com que a personalidade da Fitecom seja cada vez mais vincada.

Qual a perspetiva de futuro? Até onde vai a Fitecom?
A capacidade de adaptação às novas realidades referentes aos hábitos de consumo é uma preocupação constante. Para isso há todo um cuidado com a atualização tecnológica por forma a promover a inovação do produto conduzindo assim a um crescimento comercial progressivo. A lã será sempre a fibra rainha, promovendo assim a produção de tecidos cada vez mais sofisticados, com a nobreza própria do vestuário elegante de homem, senhora e criança.

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