Isabel Furtado
“A nossa têxtil sempre foi uma indústria de ponta”
T3 Novembro 2015

Jorge Fiel

Isabel Furtado, 54 anos, CEO da TMG Automotive explica o catecismo para o sucesso: gerir pessoas e conhecimento, apostar em tecnologia e inovação, ter uma cultura de fazer bem e ética nos negócios

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abia que no filme Tempestade Perfeita, George Clooney vestiu um impermeável feito com tecido made in TMG Automative? É por essas e por outras Isabel Furtado não descontinuou a produção de fatos de pescadores pelo segundo maior fabricante europeu dos materiais flexíveis que revestem o interior dos automóveis – um têxtil técnico capaz de resistir sem desbotar aos 80º graus centígrados do deserto na Arábia Saudita e aos 50 º negativos da Sibéria e  à prova de todos o tipo de suores  (sintéticos, ácidos ou alcalinos), ketchup ou produtos solares,  propriedades garantidas por um laboratório onde são testadas duas mil amostras por dia.

Qual foi a sua primeira preocupação quando desembarcou na TMG Automotive em finais de 2008, em plena crise?

Aproveitar o tempo livre para aumentar a formação interdisciplinar e horizontal dos trabalhadores. Quem fabricou a pasta de PVC, no dia seguinte vai aplicá-la no recobrimento. Com mão de obra polivalente, flexível e rápida, melhoramos o time to market, somos mais competitivos. Aliado a isto, houve um grande trabalho de optimização de recursos, a todos os níveis.

Chegou?

A crise apanhou-nos no meio de um plano de investimentos de 30 milhões de euros, que não podia ser interrompido. Tivemos de apostar em novos produtos e em subir na escala de valor, entrando nos fabricantes premium. Nós somos Tier 1, fazemos produto. Dantes, fornecíamos apenas empresas Tier 2, como a Faurecia e Johnson Control, que produzem peças para as fábricas das marcas. Hoje, somos contratados diretamente pela BMW, Mercedes e Volvo.

A carteira de clientes mudou?

Em 2009, os nossos três maiores clientes eram a Opel (27%), Toyota (24%) e KIA (11%) e facturávamos pouco mais de 19 milhões de euros. Agora o maior é a BMW  (29%) seguido da Mercedes (25%), Toyota (11%) e da Mini (10%) . E vamos fechar o ano com um volume de negócios de 82 milhões.

Isabel Furtado
"Investimos em investigação 4 a 6% do nosso turn over"

Foi complicado?

Não é fácil para uma empresa de um país periférico entrar na BMW.  Uma vez, de visita a uma empresa Tier 2, ouvi um alemão a tentar sossegar um concorrente nosso: dizendo-lhe: “Don’t worry, TMG Automotive is a charming little company, but it is ran by a woman”. Subvalorizaram-nos. Conseguimos entrar porque somos inovadores no produto, processo e atitude, investimos em investigação 4% a 6% do nosso turn over,  equipamo-nos com a melhor tecnologia e temos pessoas altamente qualificadas.

O nível de formação e produção de conhecimento no nosso país é razoável?

É state of the art. Temos do melhor que há, a nível mundial. O problema é que muitas vezes a indústria e a universidade estão de costas voltadas, viradas para o interior. Não colaboram. Não faz sentido que a universidade registe patentes para depois as meter na gaveta, em vez de as transformar em bens tangíveis, em negócio.

“Somos contratados directamente pela BMW, Mercedes e Volvo”

A culpa é dos académicos?

Não…é quase cultural. Eu sou vice-presidente do Conselho Geral de UMinho e tenho insistido muito com os meus colegas industriais para que se envolvam mais com os meios académicos e científicos.

Em seis anos, a TMG Automotive mais que quadruplicou a faturação, que já é 2,5 vezes superior à da TMG Têxtil. A aposta automóvel foi a melhor decisão da vida do grupo?

A têxtil tradicional foi e ainda é muito importante. Só que chegou uma altura em que a TMG decidiu investir em áreas mais inovadoras, em que o produto não seja facilmente copiado por países de mão de obra barata. Mas esta preocupação não é de agora. Já nos anos 60, um visionário como o meu avô Manuel Gonçalves, apostou em produtos inovadores e diferenciadores, fabricando coberturas plastificadas e oleados para camiões. E em 1971, começamos a fornecer a indústria automóvel, com tecidos plastificados para os assentos do Saab Monaco.

Está satisfeita com o que faz?

Satisfeita? Nunca! É a pior palavra que podemos ter no pensamento. A manter-se esta trajetória de crescimento continuado, fará todo o sentido investirmos a montante na produção de matérias primas que importamos. E, no âmbito de uma parceria com centros tecnológicos, estamos a trabalhar para ir para a aeronáutica, com o nosso tipo de produto.

É muito diferente gerir uma empresa têxtil no tempo do seu avô e agora?

O enquadramento é completamente diferente. Dantes estamos muito fechados em Portugal. Agora a Internet e o telemóvel puseram-nos a viver num mundo globalizado. Mas no essencial o catecismo é o mesmo: gerir pessoas e conhecimento, apostar em tecnologia e inovação, ter uma cultura de fazer bem e ética nos negócios.

A desaceleração da China pode ser má para os negócios? 

A China é sempre uma incógnita. Mas uma coisa é certa, como não tem acesso a propriedade imobiliária, a primeira coisa que um chinês quer ter é um telemóvel e a seguir um carro. Mais de 90% do nosso negócio é feito na Europa. Mas como a BMW, Mercedes e Volvo têm lá fábricas, a China já vale 7% do nosso negócio, mais de cinco milhões de euros. Por isso, estamos a ultimar uma parceria com um grupo local para produzir lá.

O gosto dos compradores é universal?

Nada disso. Quando se trata de comprar um BMW topo de gama, americanos, alemães e chineses têm comportamentos completamente diferentes. O americano chega ao stand num sábado à tarde, compra o carro tal como está e vai a guiá-lo até casa. O alemão não se importa de estar seis meses à espera que lhe entreguem o automóvel, mas exige ele seja completamente costumizado, o assento do lado direito mais aquecido, um controlo de mão, outro de pé, etc.  Já o chinês só tem uma preocupação. Por uma questão de status quer muito espaço no banco traseiro, que só tem dois lugares, onde ele viaja porque anda sempre com motorista. E prefere os estofos sejam em branco frigorifico – quanto mais branco melhor.

Nos últimos cinco anos anos, enquanto o PIB caía, a ITV crescia. O mau tempo já passou?

Gostaria de pensar isso, mas não tenho a certeza. A única certeza que tenho é que nunca vivemos em tempos tão incertos. Vivemos uma conjuntura muito volátil, que a qualquer momento se pode alterar. A crise obrigou toda a gente a organizar-se melhor. Fecharam muitas empresas, mas quem ficou está preparado para enfrenta as dificuldades. Como o que não nos mata, fortalece-nos, quem sobreviveu está muito mais preparado e sólido.

Olha com otimismo o futuro do setor?

A indústria tem vindo a recuperar. Creio estarem reunidas as condições para consolidar esta trajetória. Nesta conjuntura, começa a ser pesado fazer grandes encomendas na China e ficar com seis meses de stock.  A nossa ITV é vertical, pode e sabe fazer uma peça, desde o fio até à confecção, com um rapidez que mais ninguém consegue. Isso abre-nos uma excelente janela de oportunidade.

Em que é que estar em Portugal afeta a sua competitividade?

Os nossos custos em energia aumentaram 10% no ano passado. Sou contra todo o tipo de subsídios –  e o que inflaciona a fatura energética são os subsídios para as renováveis.

E o preço do dinheiro?

Fala-se muito em taxas de juro negativas, mas quando um industrial vai pedir dinheiro emprestado ao banco e diz que é da têxtil o dinheiro fica logo mais caro.

A imagem da ITV não melhorou? 

Melhorou mas não suficiente, muito por culpa dos Governos que durante anos a fio tanto criticaram o têxtil. De outra maneira, não haveria tão poucos candidatos ao curso de Engenharia Têxtil, o que vai criar problemas sérios à industria num futuro próximo.

Os preços da energia e do dinheiro são os principais problemas?

O nosso o pior constrangimento é o da localização. Na Europa, a industria automóvel é controlada pelos alemães, o que faz de nós periféricos relativamente ao país onde estão o centro de decisão, os principais clientes e o nosso maior concorrente.

O sonho de Portugal ser um país de serviços revelou-se um pesadelo. A saída é a reindustrialização?

É utópico falar de serviços sem indústria e com 40 mil jovens a saírem todos os anos das faculdades. A indústria é o principal empregador de pessoal qualificado. E quando falo em qualificado não me refiro apenas a licenciados. Um operário que venha para uma máquina, que tem controlo e software cada vez mais sofisticados, tem de ter o 12º ano.

O sistema de ensino funciona bem?

Não basta ser bom a transmitir conhecimento. É preciso encorajar os estudantes a terem uma atitude empreendedora. Mudar-lhes mentalidade. É preciso que os alunos saiam da faculdade com força e vontade de empreender. No final do MBA, em Portugal, a maioria quer arranjar um bom emprego. Nos Estados Unidos querem fazer uma empresa.

Se o próximo primeiro ministro lhe pedisse um conselho, o que é que lhe dizia?

Não me parece que o nó do problema esteja na vontade de fazer, nem em saber o que fazer – eles são ótimos a fazer estudos – mas sim na máquina estatal que está completamente desfasada da realidade e das necessidades das empresas. É preciso carregar no botão de reset. Precisamos de menos leis, e de maior eficácia. Sabia que só na área do ambiente e relacionadas com as empresas há mais de 100 diplomas em vigor?

É por isso que estamos estagnados?

Portugal não anda mais depressa, porque, com muito poucas exceções, os governantes cresceram nos partidos ou nas universidades, não têm experiência de trabalho em situação real nas empresas. Não sabem o que é ter uma noite de insónia a pensar como hão-de pagar uma livrança, ou ter que cumprir uma data para entregar material que correu mal dentro da fábrica.

É prejudicial para o setor que a sua representação esteja repartida por quatro associações?

Quatro associações? Só reconheço a ATP. É a única que representa o meu setor.

A TMG é um grupo familiar que já vai na terceira geração. Fica difícil gerir quando há muitos primos, tios, sobrinhos, filhos e cunhados?

Tem de haver regras bem definidas e princípios claros, como o de que a empresa não existe para servir os interesses da família, mas que deve ser a família a servir os interesses da empresa. Na TMG, a progressão não se faz por sangue mas por competência. As pessoas da família não têm emprego garantido no grupo mal saiam da faculdade. Se querem trabalhar cá, primeiro têm de provar lá fora a sua competência. Entre nós, não é nova a regra da separação entre património e gestão. E já nos anos 50, o fundador percebia as vantagens da mistura de família e profissionais de fora, ao ter na administração pessoas que não da família.

Perfil

Isabel Furtado, 54 anos, directora executiva da TMG Automotive desde finais de 2008. Nasceu em Famalicão, onde vive. Neta de Manuel Gonçalves, com quem trabalhou 14 anos. Licenciada em Economia pela Universidade de Manchester, com especialização em Tecnologia Têxtil. Está na TMG desde 1985. O ano passado recebeu a comenda da Ordem do Mérito Industrial.

O Verão Quente de 1975 mudou-lhe a vida. Estava a entrar na adolescência quando a mãe, Maria Helena Gonçalves (filha do fundador da TMG), decidiu que, atendendo à elevadas temperaturas políticas que se faziam sentir no país, o melhor que tinha a fazer era pegar nos seus cinco filhos menores, atravessar o Atlântico e deitar âncora em Toronto. Demoraram-se três anos no Canadá.

Isabel continuou os estudos em Inglaterra, primeiro no Kent, depois em Manchester. Casada com um médico, tem três filhos: José (licenciado em Gestão, golfista profissional, vive em Santa Monica e está ligado à Lightning Bolt), Ana (tem uma licenciatura na área da Saúde, trabalhou no IPO antes de ir para a TMG) e Inês, que está a fazer um mestrado em Engenharia Industrial.

Tem um BMW azul  – o que não espanta, pois é portista e todo o material flexível do seu interior é made in TMG Automotive

As perguntas de
Braz Costa
Diretor geral do CITEVE

De que forma a tradição e a capacidade inovadora da têxtil nacional concorrem para o posicionamento de Portugal na fileira automóvel?

Na cadeia de fornecedores da indústria automóvel temos um posicionamento bom e diversificado, onde, além da têxtil, estão setores como os moldes e a metalurgia e metalomecânica. No caso da ITV,  é prova do sucesso do percurso do produto tradicional para o mais técnico.  A têxtil portuguesa foi sempre uma indústria de ponta. Só sofremos com a globalização porque os nossos concorrentes não eram – e ainda não são – obrigados a cumprir as mesmas regras que nós.

Que desafios se colocam à comunidade têxtil (empresas, associações, sistema cientifico e tecnológico, administração pública) para impulsionar o nosso posicionamento na industria automóvel?

É muito importante que o setor se associa num só cluster, que suporte uma oferta portuguesa global, com grande inovação e valor acrescentado, que possa prosperar num mercado muito competitivo. Temos os meios para o fazer. Bons gestores, associações, laboratórios, etc. Só não podemos deixar que protagonismos individuais  nos impeçam de ter um cluster tão exemplar e eficiente como o da saúde.

Tomás Moreira
Presidente da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA)

Quais são os principais fatores de competitividade que justificam o vosso desempenho?

Inovação, inovação, inovação. Nunca deixar de procurar novos desafios e de criar aos clientes necessidades que eles ainda não sabiam que tinham. Antes de se ter inventado o telemóvel, nenhum de nós sabia quanto precisamos dele. E isso também é válido para nós. Há seis anos, desenvolvemos uma tecnologia, a IMG (In Mould Graining), que permite simular nos tecidos umas costuras que lhes conferem um aspeto mais artesanal e confortável. Os nossos clientes ficaram encantados, tivemos ganhos de imagem como empresa inovadora, mas, naquele momento, encomendas zero. Mas agora redescobriram essa possibilidade e estão a pedir-nos que usemos cada vez mais essa técnica. O moral desta história é que inovar compensar sempre – nem que seja a prazo.

Em que países estão os vossos concorrentes mais fortes?

Alemanha, Alemanha, Alemanha. Os outros não contam – há um ou outro francês, um italiano, mas no essencial a concorrência é alemã. Na Europa, somos 13 fabricantes. Nós somos o 2º maior, com uma quota de mercado de 22%.

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