T17 Fevereiro 2017
Dois cafés & a conta

Texto Jorge Fiel

Revolução
Em 1974, trocou as colchas pelos atoalhados de felpos e descobriu a sua vocação exportadora
Destino traçado
"Nunca me foi perguntado se queria continuar a estudar ou fazer outra coisa"
Fátima Sousa

Fátima Sousa tem 62 anos e é administradora da Domingos Sousa & Filhos, uma empresa que começou nos anos 60 a produzir colchas.

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o início foram as colchas. Os fantásticos anos 60, que deram ao mundo a mini-saia, os Beatles, a pílula e o “make love not war”, estavam a começar quando o tecelão Domingos se estabeleceu por conta própria. Os primeiros tempos são sempre muito difíceis, mas a fábrica lá foi crescendo, tal como a família Sousa que chegou à meia dúzia de filhos ainda antes do homem andar na Lua e de a década se esgotar.

A Domingos Sousa & Filhos começou por fabricar colchas. Ao primeiro tear manual somou-se um segundo, um terceiro e um quarto, instalados em casa dos colaboradores das primeiras horas. Era uma produção quase artesanal, que se escoava no mercado doméstico e das ex-colónias, e tinha o centro de gravidade junto à casa onde ainda vive o fundador – do outro lado da estrada do local onde trabalham agora 200 pessoas numa fábrica moderna com mais de 30 mil metros quadrados de área coberta.

“Quando chegávamos da escola, todos dávamos uma mão. Uns enchiam as canelas, outros ajudavam nos teares ou embrulhavam as colchas”, conta Fátima, recordando os gloriosos e duros tempos em que desciam a pé até à Estrada Nacional, carregando enormes e pesados embrulhos de colchas para deixar no recoveiro. “Trabalharmos até à uma, duas ou três da manhã não era a excepção, mas a regra”, acrescenta.

Em 1968, o ano do Maio francês, a Domingos de Sousa & Filhos trocou os velhos teares manuais por teares mecânicos, no que foi o primeiro marco de uma permanente evolução tecnológica que lhe permitiu sobreviver às crises e armadilhas em que o século XXI tem sido fértil.

Em 1974, o ano da Revolução de Abril, a Domingos Sousa trocou as colchas pelos atoalhados de felpos e descobriu a sua vocação exportadora. Primeiro para França, depois para Inglaterra, que chegou a ser o principal mercado.

Agora Espanha e a hotelaria (que pesa cerca de 40% nos 19 milhões de euros do volume de negócios) são os maiores principais clientes dos felpos desta empresa, que exporta mais de 90% da produção.

A preocupação de investir em equipamentos é permanente, principalmente desde que, em meados dos anos 90, a Domingos Sousa se tornou vertical, acrescentando à tecelagem uma fiação e a tinturaria, para poder controlar todas as fases do fabrico.

“Nos últimos três anos, investimos cerca de seis milhões de euros na fiação, tecelagem e acabamentos, em máquinas mais modernas, com maior produtividade e na redução de custos e recursos. Este ano temos em curso mais um investimento de dois milhões de euros em novos teares, novas máquinas para a tinturaria de fios e na área informática, com um novo software de gestão. Com estes investimentos, elevamos a capacidade mensal de produção de 150 para 220 toneladas”, explica Fátima, que escolheu almoçarmos no S. Gião, onde apenas petiscou as entradas e escolheu a pescada grelhada, que empurrou com um copo de vinho verde da casa.

“Nunca me foi perguntado se queria continuar a estudar ou fazer outra coisa”, respondeu, quando lhe perguntamos se, na adolescência, não lhe passou pela cabeça fazer fora dos trapos uma vida dedicada à empresa fundada pelo pai (que continua a ir lá todos os dias – “Quando chego às 8h30 o carro dele já está estacionado”) e à família que lá trabalha (Fátima, os seus cinco irmãos, uma cunhada, um cunhado, um filho e três sobrinhos).

Perfil

Nasceu e cresceu em Gandarela, sendo a mais velha dos seis filhos (quatro raparigas e dois rapazes) do matrimónio entre Carolina e Domingos, dois operários têxteis que não se conformaram com essa vida e arriscaram empreender e tornarem-se industriais. Debutava na escola, a aprender a juntar letras e a fazer contas, quando os pais começaram a fazer colchas no seu primeiro tear manual. Acabada a primária, fez o curso de Comércio, na Escola Industrial Francisco de Holanda, em Guimarães, a que acrescentou um curso de Contabilidade, concluído à noite, porque os dias eram consagrados ao trabalho na fábrica dos pais, onde fazia um pouco de tudo: atendia clientes, dobrava e embrulhava toalhas, fazia faturas, carregava camiões. Tem três filhos (dois rapazes e uma rapariga) e duas netas.

RESTAURANTE
S.Gião

Avenida Comendador Joaquim de Almeida Freitas, 56

4815 Moreira de Cónegos

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