Um mundo diferente
T35 Setembro 18

Paulo Vaz

Diretor Geral da ATP e Editor do T
P

ara quem está atento ao mundo, ele está a dar-nos sinais de mudança profunda, que poderemos não perceber imediatamente, mas que serão fundamentais no futuro. Quem os ignorar pagará caro a sua distração ou mesmo negação.

No início deste século, com a liberalização do comércio internacional e a afirmação do fenómeno da globalização, houve muita gente que desdenhou dos avisos que então foram feitos e das conclusões de estudos que, oportunamente, se realizaram. Muitos já não têm empresas nem estão no sector, com enormes consequências para a geração de valor e maciça perda de empregos em toda a fileira. Ficou a memória deste momento, mas aparentemente não para a generalidade.

Isto a propósito de três grandes tendências que estão a confluir e que vão transformar o nosso mundo em algo diferente e que não será certamente melhor.

A primeira está ligada aos ajustamentos geoestratégicos:

I – Os Estados Unidos de Donald Trump pugnam pelo protecionismo e são contra o comércio livre global, desinvestem da Europa e sacodem o mundo a níveis perigosos.

II – A Europa está entregue a si mesma, pela primeira vez num século, mas ainda não percebeu que terá de cuidar da sua segurança e defesa, sendo este o seu desafio-limite; se não o conseguir/souber ultrapassar, iniciar-se-á um processo de desagregação irreversível e um novo mapa de nacionalismos, alianças e interesses terá de ser colocado, com prejuízo para todos.

III – A China será a grande ganhadora neste realinhamento, pois é a única que, serenamente, tem estratégia, propósito e recursos para alcançar os seus objetivos de longo prazo. Conclusão geral: o mundo dos nossos filhos e dos nossos netos não será tão agradável como foi o nosso.

A segunda grande tendência está na digitalização da economia, quer nos processos, em que se inclui a indústria 4.0, quer no que se refere ao comércio eletrónico. O metamundo do digital será mais importante que o físico que habitamos, sendo que os negócios de amanhã serão praticamente gerados e desenvolvidos aí. Quem ignorar isto está fora de mercado, quem negar isto nem sequer existe. Em Portugal o atraso neste domínio é assustador. Basta ver os websites das empresas (e deste sector) para se perceber do que falo e prescindir de comentários.

A última tendência é a sustentabilidade e a economia circular. O mercado vai encolher para as empresas do sector têxtil e vestuário português. As grandes marcas internacionais estão em processo de mudança de modelo de negócio, com a agravante de não saberem para onde vão, apostando desesperadamente nas margens e no preço. A vantagem da proximidade esbateu-se quando reemergiram países produtores como a Turquia e Marrocos, que compensam largamente a distância e o custo do transporte com a desvalorização local das moedas. A fidelidade nos negócios não existe e apenas ficam os interesses. O que nos resta é focar-nos onde podemos fazer diferença, precisamente naquilo que aos outros objetivamente lhes falha: inovação, criatividade e credibilidade na observância de regras sociais e ambientais. O futuro é por aqui, mas há poucos a enveredar este caminho, convencidos que as fórmulas do passado servirão para o futuro. A história já provou que não e voltará a fazê-lo.

A nossa margem de manobra para abraçar a mudança radical que se desenha é de escassos anos. Alguns ainda o podem fazer. Outros já não, mesmo que não tenham consciência disso. A história de sucesso da Indústria Têxtil e Vestuário portuguesa pode ser prosseguida, mas vai ser muito mais exigente na sua condução. Talvez seja esta a única certeza.

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