Reentrée
T24 Setembro 2017

Paulo Vaz

Diretor-geral da ATP
O

ano cronológico e o ano económico normalmente não coincidem; apenas o direito potestativo do Estado, focado no desempenho da máquina fiscal e no cumprimento do respetivo orçamento, cuja idiossincrasia escapa normalmente ao senso comum da maioria dos cidadãos, obriga a essa identificação, e que faz cada vez menos sentido.

Não é por acaso que as empresas multinacionais e as grandes consultoras internacionais fecham os exercícios em Setembro, precisamente para fazerem coincidir as contas de exploração com o respetivo período económico, entre as estações de paragem para as férias de Verão.

Seguindo este princípio, podemos dizer que estamos na reentrée de um novo ano no setor, no qual se confirmou uma tendência de crescimento, embora moderado, a qual se irá prolongar certamente até final de Dezembro próximo. Isto significa, por outras palavras, que 2017 poderá ser o ano do “regresso ao futuro”, nas felizes palavras da jornalista Margarida Cardoso, do Expresso, ao antecipar, na larga reportagem que consagrou à Indústria Têxtil e Vestuário portuguesa na edição de 26 de Agosto, que o corrente ano poderá eclipsar todos os recordes absolutos: especialmente no volume de negócios e nas exportações.

Embora tudo isto seja expectável há que realizar algumas reflexões sobre o tema, que nos distanciem da euforia e evitem a perigosa acomodação.

Está a concluir-se um ciclo de crescimento sustentado da Indústria, assente essencialmente nos drives certos: as empresas apostaram na diferenciação pela inovação tecnológica, pela moda e pelo design, pela intensidade do serviço e pelo reforço da presença internacional.

Depois de um período de sete anos de declínio, seguiram-se sete de recuperação, que não repuseram apenas o que se perdeu, mas projetou o setor para outros voos, com nova ambição. O ciclo que se segue terá de cumprir esse desígnio e começa agora. Depois de resistir, depois de se reabilitar, está por realizar o objetivo de ganhar margens e tornar o negócio mais rentável e atrativo para as novas gerações.

O que aí vem é talvez mais difícil de concretizar do que aquilo que já se fez, por muito que nos pareça. Há muito mercado por conquistar e as empresas da ITV têm fortes argumentos para fazer valer nessa cruzada, contudo é importante não baixar a guarda às dificuldades e aos obstáculos que se apresentam, desde logo, à competitividade.

Os custos de contexto continuam relevantes e não se vislumbram melhorias: o quadro jurídico-laboral está ameaçado pela política (partidária), os custos de energia são dos mais elevados da Europa e o acesso ao capital – assim como o seu custo relativo – continuam um quebra-cabeças para a generalidade das empresas.

Acresce a isto a dificuldade em contratar pessoal, de qualquer nível, tal como as limitações que o centro protocolar de formação profissional para o setor enfrenta e que constrange a sua ação de qualificação do capital humano, indispensável numa ótica de indispensável crescimento da produtividade, até porque está a deixar de existir mão-de-obra disponível.

Estes temas devem ser o foco de mobilização de todo o setor, que, igualmente, não se pode permitir em continuar a ter a sua representatividade dividida por diversas sedes e amarrada, muitas vezes, a interesses que escapam à racionalidade e superior desígnio do setor. Algumas destas coisas estão ainda por perceber, mas são essenciais, se não quisermos olhar para os próximos sete anos com o fatalismo dos ciclos bíblicos da fome e da abundância.

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