O pior será a subida das taxas de juro
T17 Fevereiro 2017

Daniel Bessa

Economista e Professor Universitário
O

Euro tem face ao USD uma taxa de câmbio de mercado. Usando as chamadas taxas de câmbio de referência, para operações entre bancos centrais, no dia em que viu fixadas as taxas de câmbio irrevogáveis entre as moedas que vieram a constituí-lo (dia 31 de Dezembro de 1998), valia 1,16675 USD. No primeiro dia em que se viu efectivamente cotado (segunda-feira, dia 4 de Janeiro de 1999), valeu 1,17789 USD. A partir de então, o seu valor variou em cada segundo de cada um dos quase 6.600 dias decorridos, entre um mínimo de 0,8252 USD (no dia 26 de Outubro de 2000) e um máximo de 1,599 USD (no dia 15 de Julho de 2008). A partir deste dia, a tendência longa tem sido de baixa, acentuada nos últimos tempos, tendo atingido um mínimo local de 1,0385 USD no dia 3 de Janeiro último.

Apesar da recuperação dos últimos dias, a generalidade dos analistas acredita que a tendência continue a ser de baixa, não faltando previsões que o atiram, de novo, para valores próximos dos mínimos de Outubro de 2000.

A tendência parece continuar a ser, portanto, de baixa. Um resultado para que contribui o melhor desempenho da economia dos Estados Unidos, potenciado, agora, a curto prazo, pela eleição de Donald Trump.

O resultado final esperado das trumpeconomics não parece ser nada de que os Estados Unidos possam vir a orgulhar-se e de que o Mundo se possa regozijar: uma economia mundial menos aberta, de menor crescimento, com uns Estados Unidos mais fechados sobre si próprios e, portanto, mais pequenos – atolados em dívida pública e num défice das transacções correntes com o exterior que não deixará de crescer.

Os efeitos de curto prazo afiguram-se, no entanto, mais lisonjeiros, para os Estados Unidos: um programa de obras públicas em larga escala; redução dos impostos directos, nomeadamente sobre os ricos e sobre as empresas; intensificação do crescimento; aumento do défice público e da inflação; subida das taxas de juro, nos prazos mais longos, puxada tanto pelo défice público como pela inflação; afluxo de capitais aos Estados Unidos, estimulado pelo aumento das taxas de juro e pelo desempenho esperado do Dow Jones e dos demais índices de cotação da NYSE. Um USD em alta, auto-alimentando a tendência de afluxo de capitais, a partir de todo o Mundo.

Em termos económicos estritos, a coisa parece não correr muito mal para a Zona Euro e para a União Europeia (embora, vendo um pouco mais longe, mesmo em termos económicos, sem chegar ainda à política, mensagens como a de felicitações ao Reino Unido por ter abandonado a União Europeia, estimulando outros países a seguirem-lhe o exemplo, não augurem nada de bom).

Com o Euro em baixa (já perdeu cerca de 30% do seu valor, por comparação com o máximo de Julho de 2008), a Zona Euro está mais competitiva, por comparação tanto com os Estados Unidos como com as áreas do Mundo que, de um modo ou de outro, continuam a indexar as suas moedas ao USD.

É bom, tanto em termos de crescimento como de emprego – tanto quanto o proteccionismo anunciado pelas trumpeconomics o venha a permitir (se tinha alguma esperança no TTIP – Transtlantic Trade and Investment Partnership, perca-as, de vez).

O nível de vida dos europeus da Zona Euro vai regredir um pouco (pelo aumento de preço dos produtos importados, com efeitos esperados também na taxa de inflação interna, que deverá subir), mas não parece nada de grave (a Zona Euro é ainda “uma grande economia fechada ao exterior”, com um conteúdo de importações relativamente reduzido), acrescendo que, também aqui, não há almoços grátis: maior competitividade pelo preço paga-se sempre com redução de nível de vida.

Para além do aperto esperado das condições de acesso ao mercado americano, a pior notícia para Portugal deverá vir do aumento esperado das taxas de juro, também na Europa (por todas as razões já aduzidas, a que poderá acrescentar a inversão esperada da política de easy money adoptada pelo BCE nos últimos anos).

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