Mudar de pele
T19 Abril 2017

Paulo Vaz

Director-Geral da ATP
N

as palavras de um dos mais reconhecidos especialistas em marketing moda da Europa, o italiano Daniel Agis, que já trabalhou em diversos países e com uma enorme multiplicidade de marcas e instituições, incluindo a ATP, a ITV em Portugal está no limiar de uma terceira “mudança de pele”, mas que não é certo que tenha a necessária capacidade de a realizar, mesmo que disso dependa a sua sobrevivência futura.

De uma indústria incipiente, baseada nos “drives” da competição pelo preço e orientada a produtos massificados, determinados pela procura externa, a Têxtil e Vestuário portuguesa teve de se reestruturar, de forma dramática, para manter a sua capacidade concorrencial, apostando na diferenciação de produtos, pela tecnologia e design, com muito maior intensidade de serviço, o que, por outras palavras, significa que mudou do paradigma da competitividade pelo preço pela do valor, e deixou de ser tomadora de encomendas para ser vendedora de produtos e serviços diferenciados, ao mesmo tempo que percebeu que, tendo uma orientação e discurso estratégico, para dentro e para fora, a sua subida na cadeia de valor seria muito melhor percebida, aceite e considerada.

A terceira “mudança de pele”, ou a terceira revolução a que vai ficar sujeita, será a do desafio digital, que compreende os temas da “indústria 4.0” e as plataformas electrónicas para colocar produtos e serviços, B2B e B2C, à escala global. Isto não é retórica oficial do momento ou discurso do politicamente correto. Faz-se com empresas mais automatizadas, com significativos investimentos no domínio da digitalização e com recursos humanos altamente capacitados, aliando a tradição (numa aceção de “artigianialitá”, que os italianos conseguiram com êxito colar ao luxo, num binário diverso, mas superiormente valorizado, ao da tecnologia) de uma indústria que conseguiu manter vivo um “know-how” de décadas, que não se perdeu entre gerações, nem entre empresas que fecharam para nunca mais reabrir, mas que se transferiu e foi aprimorada por um sistema científico-tecnológico de classe mundial e de um ensino e formação que a conservaram viva e invejada por todo mundo.

Será também no mundo digital que o futuro das marcas portuguesas, não apenas o da indústria, se irá jogar. Das que existem e das que surgirão. Há um mundo de oportunidades, bem mais acessível, hoje, do que existia duas décadas atrás. Os investimentos são mais proporcionados à capacidade dos promotores, até porque o êxito das marcas e dos canais de distribuição em que assentam, numa lógica de crescente fusão entre eles (o omnicanal ), está mais dependente de boa estratégia e melhor execução do que do suporte financeiro, nomeadamente para abertura de espaços físicos, comunicação e publicidade.

Contudo, não deixa de ser preocupante verificar quão pouco a generalidade das empresas da ITV portuguesa dão importância a esta questão, sendo o melhor indicador a elementaridade dos seus websites, na sua estética, conteúdos e funcionalidades. Há muito por fazer, muito mais do que já se fez. Celebrar o que já se conseguiu é legítimo e compreensível, mas jamais como desculpa para não fazer o que se impõe de forma urgente e bem identificada.

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