Agora falando a sério
T14 Novembro 2016

Nicolau Santos

Diretor-adjunto do Expresso
A

gora falando a sério, estamos a caminhar sobre gelo fino. E quando se caminha sobre gelo fino, a única coisa que se pode fazer é colocar um pé com muito cuidado, a seguir outro, e acreditar que uma força divina velará por nós.

É que ninguém tenha dúvidas: a saída limpa do programa de resgate, o regresso ao financiamento dos mercados internacionais, a emissão de dívida nacional a taxas muito baixas ou mesmo negativas, tudo isto só foi possível porque no Verão de 2012 Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, disse as palavras mágicas: “Farei tudo o que for necessário [para defender o euro] e creio que será suficiente”.

E depois, em Janeiro de 2015, contra a opinião do poderoso Bundesbank, o banco central alemão, lançou o programa de “quantitative easing”, ou seja, a compra de títulos de dívida pública dos países da zona euro, no fundo uma outra maneira de injectar liquidez na economia.

Sem tudo isto, as taxas de juro portuguesas estariam hoje em níveis bem mais elevados e em vez de suportarmos encargos de mais de 8 mil milhões de euros com o serviço da dívida estaríamos a pagar provavelmente o dobro. E as empresas e as famílias também.

Agora falando a sério, o problema não é deste ou do anterior Governo. O problema é da economia portuguesa, que teve o último pico de crescimento em 1996 – e desde então tem registado taxas agónicas de crescimento ou estado em recessão (entre 2011 e 2014, por exemplo).  O problema é que a cada década que passa, desde os anos 80, Portugal cresce menos que na década anterior. O problema é que a Formação Bruta de Capital Fixo está a cair desde 2006. O problema é que a eficiência marginal do capital (o produto que se obtém por cada unidade de capital investido) está em quebra consistente e acentuada desde 2005. O problema é que a poupança nacional entrou em queda livre desde 2004. O problema é que as contrapartidas do stock de capital vem cada vez menos da poupança nacional (82,,5% entre 1977/98, 55% em 2012). O problema é que a população total está a diminuir e a população activa também.

Não adianta, contudo, entrar em depressão. O exemplo da indústria do têxtil e vestuário demonstra exemplarmente que é possível dar a volta por cima, depois da descida aos infernos em 2009. Demonstra que não há sectores tradicionais e sectores do futuro, mas sim boas e más empresas. Demonstra que as boas empresas dos sectores tradicionais conseguem subir na cadeia de valor, a única maneira de sobreviver – e que as tecnologias de informação, o design, o marketing, a marca, o controlo dos canais de distribuição, o trabalho conjunto com parceiros nacionais e internacionais de diversas áreas são fundamentais para alcançar esse objectivo.

Agora falando a sério, não direi que o país está pior mas as empresas estão melhores. Direi que é com excelentes empresas, tradicionais e não tradicionais, que se melhora a imagem do país e que se inverte um ciclo aparentemente inexorável de decadência do rectângulo onde vivemos. E direi que o problema não é dos políticos, ou dos governos, ou dos empresários, ou dos trabalhadores. O problema é de todos, porque o país é nosso. E desde 1143 que andamos a resolver os problemas de sobrevivência que se lhe têm vindo a colocar. 2017 não será excepção. Nem os anos que se lhe seguirem.

Agora, falando a sério: havemos de sair desta curva apertada da História. Com o engenho, o esforço e a arte de todos.

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