A tecnologia salvou a têxtil
T20 Maio 2017

Paulo Vaz

Director-geral da ATP e Editor do T
H

á momentos em que nos damos conta do tempo que já vivemos, e do tempo que convivemos com realidades a que acabamos por lhe dedicar a vida.

É o que me acontece com a ITV, à qual já dediquei 30 anos de vida e trabalho, entre empresas e o associativismo. Pensei que seria algo transitório, depois tornou-se permanente e, agora, mesmo que o deixe amanhã mesmo, a Têxtil acabou por se consubstanciar em mim e nada já a substituirá na relevância e sentido que me deram à existência. Uma bênção ou maldição, segundo a disposição.

Isto para dizer que, o facto de estar há tantos anos no setor me confere a qualidade de testemunha presencial, que assistiu a muito: a momentos bons e menos bons, choques dramáticos e projetos galvanizadores, partilhados com gente de grande qualidade, alguns mesmo notáveis e insubstituíveis, e outros que não permito que mereçam recordação. Tal como na vida em geral.
Desde que cheguei à Têxtil, existiram apenas dois momentos em que a palavra crise não entremeou os comentários ou análises sobre o sector: o primeiro foi o final dos anos 80 e o início dos 90, em que tudo crescia exuberantemente, o mercado não tinha limitações, as rentabilidades eram enormes, quase escandalosas, e, com a então queda do Muro de Berlim parecia que História tinha terminado, nas palavras de Fukuyama, e que um futuro de paz e prosperidade se adivinha para toda a eternidade; o segundo é agora, pois, após tanto sofrimento, tanta aventura e tanta mudança forçada, a palavra crise acabou por se erodir, pois, mesmo que fosse necessário utilizá-la hoje já nada significa e menos ainda impressiona.

Na verdade, o primeiro grande choque aconteceu em 1992 quando as grandes empresas têxteis verticalizadas que não tinham realizado investimentos em atualização de equipamentos e mantinham grandes contingentes de pessoal, se viram obsoletas e não competitivas, além de não terem sequer recursos financeiros e humanos para se reestruturar e modernizar. Muitas faliram, muitas fecharam, mais ainda emagreceram abruptamente. Só escaparam as que, com tempo e alocação de meios adequados, alguns provenientes dos saudosos programas de incentivos PEDIP, ajustaram as estruturas, atualizaram equipamentos e processos e implementaram efetiva gestão profissional. Foi, em resumo, a tecnologia que as salvou, pois, também nos subsetores das malhas, dos acabamentos e da confecção, já a mesma tecnologia havia dado a resposta indispensável para se poder assegurar a sobrevivência. As décadas seguintes trouxeram ciclos de prosperidade e depressão, mas, foi, sobretudo, a partir da liberalização do comércio têxtil internacional, da entrada da China na OMC, da abertura a Leste da União Aduaneira e da grande crise do “subprime”, que contraiu o consumo global, tudo na década passada, que a ITV portuguesa redefiniu o seu presente e garantiu o seu futuro: escapar à concorrência assassina pelo preço, através da diferenciação, o que só se conseguiu, entre outros fatores, pela inovação tecnológica e pela diversificação de atividades, em muitos casos, para os têxteis técnicos e funcionais.

Pela segunda vez, na história contemporânea do sector, acabou por ser a tecnologia a salvar a Têxtil de si mesma e conferir-lhe um lugar no presente e uma chance para o futuro. Essa chance chama-se indústria 4.0 e não é apenas um chavão, é a chave para os anos que nos esperam, bem distintos dos que temos até hoje vivido. Mas isso, será tema para outra crónica, em que pela, terceira vez, a tecnologia se confirmará como o sempiterno farol da salvação da Têxtil.

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