A indústria da moda está a abrandar
T44 - Junho 19

Paulo Vaz

Diretor Geral da ATP
O

s sinais que o mercado global da moda enviou, no último trimestre do ano passado e que se têm vindo a intensificar nos primeiros meses de 2019, obrigam-nos a fazer uma reflexão mais profunda sobre o que está a suceder, mas, sobretudo, o que pode estar aí para vir.

A generalidade das marcas está confrontada com uma estagnação do consumo, quando não mesmo com uma quebra de vendas. As lojas acumulam stocks e parecem andar sempre dessincronizadas com as estações, falhando, de forma sistemática, o arranque das mesmas, obrigando-se a promoções e a saldos antecipadamente, comprometendo seriamente as margens dos negócios. A explicação de que o consumo está a migrar para o comércio eletrónico é apenas válida em parte, pois o somatório do que se vende “online” e “offline” não é superior aquilo que se realizou nos anos precedentes. De igual modo, as alterações climáticas e os acontecimentos esporádicos, como foram os atentados terroristas em algumas capitais europeias ou as manifestações dos “coletes amarelos” em Paris, permitem justificar conjunturalmente alterações no comportamento dos consumidores, mas resultam insuficientes.

Algo está a mudar no negócio da moda e, de uma maneira geral, não existem explicações cabais para o efeito. As próprias marcas, em particular aquelas com implantação global e que se distinguiram por implementar modelos de negócio “fast fashion”, democratizando o acesso à moda, parecem andar um pouco à deriva em todo este processo de mutação, embora tenham consciência que estão ameaçadas e que mudanças se impõem, não apenas para continuarem a crescer, mas inclusivamente para sobreviverem.

Há algo de estrutural nisto tudo e que tem de ser enfrentado. A indústria têxtil e vestuário portuguesa está a ser afetada já pelo fenómeno e tem de saber encontrar argumentos não apenas para resistir, mas, especialmente, para acompanhar a mudança e aproveitar com isso. Importa recordar que acordamos tarde para a globalização e para a abertura dos mercados internacionais, subestimando o impacto que a China teria no panorama do negócio da moda à escala planetária, e muitas empresas nacionais pagaram por essa distração ou pela incapacidade que tiveram em reagir e adaptar-se. Não foi por falta de avisos.

O que está a acontecer hoje é algo semelhante. A indústria de moda vai encolher, especialmente nos mercados desenvolvidos para os quais vendemos. A chegada das gerações mais jovens, mais sensíveis e empenhadas nos temas da sustentabilidade e responsabilidade social, vai privilegiar o uso mais alargado das peças de vestuário, a sua reutilização e a sua reciclagem, minando assim os fundamentos daquilo que é hoje o motor da indústria de moda e que é a “fast fashion”.

Estamos a começar um tempo de travagem nos ciclos rápidos, na produção e no consumo, um “slow down” que vai ter profundos impactos nos sistemas produtivos criados para servir modelos que não serão mais sustentáveis. A indústria da moda está a abrandar e vai abrandar mais ainda.

Não sabemos o que vai suceder a seguir, mas sabemos que, daqui a dez ou quinze anos, nenhuma das empresas que fizeram o seu sucesso a criar coleções de moda para usar e deitar fora, em cada estação que passa, serão relevantes no panorama da moda que há de vir.

A indústria têxtil e vestuário nacional fez da adaptação ao “fast fashion” a razão da sua sobrevivência e desenvolvimento na última década, mas terá de se enquadrar no mundo em que a “slow fashion”, a digitalização, a tecnologia, a circularidade e a sustentabilidade serão a sua matriz caracterizadora. É preciso primeiro ter plena consciência disso e depois trabalhar na sua consequência.

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